Lembranças de Serra Pelada - entrevista com Juca Martins
Lembranças de Serra Pelada - entrevista com Juca Martins
Serra Pelada foi o maior garimpo a céu aberto do mundo em seu tempo. A descoberta de ouro de aluvião por um vaqueiro no riacho da Grota Rica, como era então conhecido o lugar, atraiu rapidamente uma legião de garimpeiros de todos os cantos do país. Juca Martins foi o primeiro fotógrafo a documentar o movimento. Chegou a Serra Pelada em 1980, quando 15 mil homens trabalhavam na cava. Havia ido à Conceição do Araguaia, no Pará, para cobrir o assassinato de um líder sindical rural. Quando soube da notícia, decidiu estender a viagem. As imagens de homens cobertos de lama, subindo e descendo escadas de madeira carregando sacos de terra, lembrando formigas, se tornariam famosas em todo o mundo. Venceu com uma o Prêmio Internacional Nikon, em 1981. Voltou depois ao garimpo, em 1986, no auge, quando 120 mil garimpeiros procuravam ouro no local, e ampliou o ensaio.
Parte do trabalho, as fotos coloridas feitas por Martins em sua segunda viagem, pode ser vista até dia 20 de agosto na Galeria Utópica. A exposição A febre do ouro é composta por 17 fotografias inéditas que mostram o trabalho intenso na cratera de 24 mil metros quadrados, aberta em meio da floresta a pouco mais de 100 quilômetros de Marabá.
Além do trabalho em Serra Pelada, Martins é conhecido pela trajetória de quase 50 anos no jornalismo brasileiro. Nascido em 1949, em Barcelos, Portugal, mudou-se com a família para São Paulo ainda menino. Começou a fotografar em 1970 e fundou, anos mais tarde, a Agência F4, ao lado de Nair Benedicto, Delfim Martins e Ricardo Malta. Primeira cooperativa de fotojornalismo brasileira, a agência ficaria conhecida, entre outras coisas, pela luta pela valorização da profissão e a defesa dos direitos de autor dos fotógrafos, a exemplo do que fez, lá fora, a lendária Magnum. Após a dissolução da F4, fundou ainda a agência Pulsar Imagens, em 1991, com Laura Del Mar e Delfim Martins.
Ao longo da carreira, trabalhou e colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros, e foi diretor de arte do jornal Movimento, uma das mais importantes publicações alternativas do período de ditadura militar no Brasil. Cobriu conflitos no Líbano, em El Salvador e na Guatemala; recebeu o Prêmio Esso, em 1980, o Prêmio Wladimir Herzog, em 1982, e duas vezes o Prêmio Internacional Nikon (1979 e 1981). Seu trabalho, sempre politizado, já foi exposto na Espanha, Itália, França, Alemanha, Suíça, México, Cuba, Colômbia e Equador e integra o acervo de museus aqui e lá fora. Lançou uma série de livros, entre os quais, A greve do ABC (1980), Crianças do Brasil (1981), Festas populares brasileiras (1987) e São Paulo/Capital (1998).
Na entrevista a seguir, Martins fala sobre suas memórias de Serra Pelada, da experiência de fotografar no garimpo, do trabalho atual como editor e fotógrafo da agência online Olhar Imagem, da qual é fundador, e como coordenador do grupo de fotógrafos Fotobrasilis, no Facebook, entre outros assuntos.
Como foi a sua experiência em Serra Pelada? Você foi duas vezes, certo?
Fui. O começo, em 1980, logo no começo do garimpo. Teve toda a dificuldade de chegar no lugar. Na verdade, eu tinha ido para Conceição do Araguaia, para fazer uma matéria sobre o assassinato de um líder sindical rural. A partir de lá, já estava rolando a notícia de que havia sido descoberto um garimpo. Então, fui de ônibus. Durante a noite, viajei até Marabá. Em Marabá, tentei falar com um piloto de avião, combinar o preço. Mas tinha que ter uma autorização do Major Curió, que era o cara que controlava o garimpo, ligado ao SNI. Mandei minha credencial da Federação Nacional dos Jornalistas (FNAJ), pelo piloto. Ele levou ao garimpo, apresentou ao Curió. Eu fiquei no aeroporto de Marabá esperando e, seis horas depois, ele volta com a minha credencial dizendo: “ó, o major Curió autorizou a sua ida”. Ai eu fui. Desci no aeroporto, como todo mundo. Fui revistado, como todo mundo que chegava tanto de avião quando por trilhas cruzando a floresta. Passei dois dias fotografando. Voltei, seis anos depois, em 1986, já no final do garimpo. Já era uma situação completamente diferente. Não era mais o Serviço Nacional de Informações (SNI) que controlava. Era a associação de garimpeiros de Serra Pelada que fazia o controle. Era preciso ter carteirinha para poder garimpar. Já tinha interferência de gente ligada ao Ministérios de Minas e Energia, de controle de solo. Era outra estrutura. E já tinha uma mini cidade, com mercadinho e outras coisas, tudo de madeira, parecendo velho oeste. Foram dois períodos, nesse espaço de seis ano. Dois dias na primeira viagem e dois dias, na segunda.
Você fotografava o tempo todo?
O tempo inteiro. É uma coisa tão rica. Onde você olha, tem foto para fazer. Não dá pra perder clique.
Na exposição, você privilegiou as fotos do garimpo, mesmo. Do pessoal extraindo ouro. Mas você tem fotos do entorno?
Não, eu priorizei. O que interessava, mesmo, era o garimpo. Na primeira vez que fui, não tinha uma vida fora do garimpo. Os garimpeiros viviam em barracas praticamente do lado de onde eles estavam cavando. Na segunda, você já tinha uma cidadezinha, uma rua principal. A Associação de garimpeiros já era uma casa em madeira. O hotel onde eu fiquei hospedado já tinha dois andares, em madeira, com música ambiente, com bar. Mas disso eu tenho um clique ou outro. O meu interesse era a cava, a notícia estava lá. Talvez se eu tivesse mais de dois dias, talvez fosse o caso. Se você pegar uma semana, duas semanas, seria o ideal. Porque ai você pode acompanhar o cara lá dentro e ir com ele na hora que ele se lava e vai pra casa dele. Mas ai precisaria investir mais para fazer.
E você descia aquelas escadas todas?
Descia. Mas até lá no fundo eu nunca desci. Ia até o meio do caminho, ou por um caminho mais fácil, e descia. Porque o risco de ir lá embaixo, de escorregar, de haver um desmoronamento, também era frequente. Eu nunca corri riscos, não só nessa matéria. Em outras também. Sempre achei que a foto não vale a vida. Eu valorizo a vida, a obra vale menos que a vida. Não vou me arriscar para ter uma foto e dizerem "pô, o cara é um gênio da fotografia". Não, eu não. Eu vou fazer fotografia legal, e tal, mas…
Esses garimpos são frequentemente associados à ambientes sem lei, caóticos. Havia algum tipo de dificuldade para fotografar? O que você sentia?
Não, já tinha lei. O major Curió tinha controle absoluto. Você não entrava assim. Era revistado ao entrar no garimpo, para não carregar armamento. Armas eram proibidas. E você era revistado ao sair do garimpo, para evitar contrabando de ouro. Era um controle absoluto. O ouro era vendido em Serra Pelada em uma agência da Caixa Econômica Federal. Essa é uma impressão equivocada. Mesmo depois, em 1986, quando já era a associação dos garimpeiro, também havia controle. Você não entrava lá sem a carteirinha da associação. Se o cara fizesse alguma coisa errada, perdia a carteira e não conseguia mais trabalhar no garimpo. Recentemente, vi trechos de um vídeo sobre Serra Pelada, do Heitor Dhalia. Tem cenas em que o cara grita "bamborra! bamborra!", que é o que gritam quando acham uma pepita grande. Ai o cara arranca o revólver da cintura e atira para o alto. Pô, mentira. Nunca. Nunca vi pessoa com arma lá, nem dar tiro no garimpo. Aquilo é um efeito cinematográfico, não era real. No garimpo não aconteceu isso. Não tem nenhuma historia de tiro, de assassinato no garimpo de Serra Pelada, na história de seis, sete anos. O que aconteceu de violência e acidentes foi desmoronamento, falta de cuidados, por não drenar a água, morro que soterrou gente. Mas não tinha essa violência de revolver e tiro, diferente do outros garimpos. Isso parece que acontece em outros garimpos.
Você cita no texto da exposição uma história maravilhosa, do Índio, que torra uma fortuna em ouro em três anos. Como você o conheceu?
Eu não conheci. É uma citação. É uma história que está no YouTube. Quando eu fui em 1986, era uma referência. A história desse Índio circulava lá. Eu, pessoalmente, nunca conheci o cara. Nunca falei com ele. Mas ele se tornou um mito, uma história do folclore do garimpo.
Quais os teus projetos hoje?
Atualmente, eu cuido da Olhar Imagem, uma agência online de venda de fotos, licenciamento para revistas e livros escolares. Mais para mídia impressa. A agência não é só minha. Tenho um grupo de fotógrafos que trabalham comigo. Eu coordeno uma página no Facebook, chamada FotoBrasilis, onde eu fotografo, mais um grupo de 20, 20 e poucos fotógrafos também, e publicam lá. A partir dessas fotos publicadas nessa página, eu edito. Se é muito boa, manda para o arquivo. Eu escolho as fotos que eu peço em alta. o Foto Brasilis hoje é um grupo que faz ainda muita coisa na rua. Eu ainda vou para a rua. Fotografo menos. Mas estive na Marcha da Maconha. Essas manifestações que teve, dos estudantes, eu fui para a Paulista. A segunda eu fui também. Na terceira, no dia 14, a Greve Geral, eu fui para a Av. Paulista fotografar. Sempre que posso, ainda estou indo à rua. Menos do que naquela época. Não consigo mais. Antigamente, a gente viajava com duas câmeras fotográficas, uma P&B, outra cor, com cinco lentes. Hoje, pô, eu saio com uma Canonzinha pequenininha, só, no bolso. Quando eu vou com mochila e equipamento mais pesado, incomoda, cansa. Então, eu continuo produzindo foto documental. Meu negócio continua sendo fotojornalismo. Isso eu continuo fazendo.
Que equipamentos você tem usado?
Eu tenho as Nikons, uma D-7000, tinha uma D-800, com lentes que vão de 16mm até 500mm. Mas eu ando muito com uma canonzinha G-7 Mark II, pequeneninha, que cabe no bolso de uma camisa, faz um arquivo grande, de 20 megas, e tem uma lente que vai de 24mm a 100mm. Se for pensar, o meu trabalho todo é coberto de uma 28mm a uma 100mm. A 24mm é 1.8. E a 100mm dela é 2.8. Aguenta um ISO alto. Então, hoje em dia, está me resolvendo para fazer a fotografia que eu gosto. Tem ainda a vantagem de não chamar a atenção de ladrão. De repente, o cara olha e pensa, “isso ai não vale porra nenhuma, é máquina de amador. Deixa o cara sossegado”. Outro aspeto são os seguranças nos lugares, nos shoppings, em lojas. Se você tirar uma Nikon, o cara vai dizer que não pode. Com a maquininha, as vezes o cara chega, eu digo que sou turista, que estou conhecendo a cidade de São Paulo. Então, isso facilitou demais. Vou usando equipamentos pequenos, mas fazendo coisas nesse estilo que você viu.
Que temas te interessam mais hoje?
Os temas sociais. A questão do menor, eu acompanho e tenho um trabalho grande. Menores abandonados em cidades, menores marginais nas cidades, menores trabalhando em canaviais e outras coisas pesadas, menores trabalhando na Amazônia. Na minha parte P&B de Serra Pelada, que é mais forte que essa colorida, tem crianças e trabalho. A questão de habitação, transporte, segurança e trabalho, são os grandes temas. O meu olho vai estar sempre voltado para isso. A educação, a criança e a educação. Habitação. Como essas pessoas estão vivendo. O trabalho, transporte e saúde. Praticamente, esses cinco itens, me ocuparam quando eu comecei no jornalismo há 50 anos atrás, praticamente, e continuam sendo de meu interesse até hoje.
Você acompanha novos fotógrafos? Tem algum trabalho que te chamou a atenção recentemente?
Mais ou menos. O trabalho do Mauricio Lima, prêmio Pulitzer, é impressionante. Tem alguns caras novos. Posso até errar o nome. Felipe Dana, é um cara novo. Tem um cara novo, no Foto Brasilis, chamado Levi Bianco. O Vitor Drago. São uns caras que, para onde eles apontam a câmera, vêm coisas que surpreendem. Acho que é ai que você vê quando o cara é bom fotógrafo, que tem talento. Desses que eu citei, o Mauricio Lima é o mais velho. Mas os outros são bem novos.
Arte na fotografia - entrevista com Claudio Edinger
Nascido no Rio de Janeiro, em 1952, Claudio Edinger é dono de uma estética difícil de confundir. Suas imagens, já há muitos anos, trazem poucos elementos em foco. O restante permanece sem nitidez, como em tilt-shift. Muitas das imagens feitas assim são retratos, paisagens urbanas ou fotos aéreas de cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Paris e Nova York, ou de regiões como a Toscana. Mudam a perspectiva de quem vê, apresentam um mundo em que grandes prédios, muitas vezes, parecem miniaturas.
Em sua longa e prolífica trajetória na fotografia, Edinger publicou fotos em mais de 56 veículos, no Brasil e no exterior, entre os quais Business Week, Conde Nast’s Traveler, Marie Claire, Elle, National Geographic, New York Times Magazine, Paris Match, Valor, Veja e The Washington Post. Prêmios e bolsas, foram ao menos 14. Exposições, foram mais de 80, desde 1975. Livros publicados, são quase 20, entre os quais os dedicados ao lendário Hotel Chelsea; a praia de Venice, na Califórnia; o Carnaval brasileiro e a loucura.
Este ano, já lançou um livro e uma exposição. O livro, História da fotografia autoral e a pintura moderna, é resultado de uma pesquisa de cerca de dez anos. A exposição é mais uma etapa do projeto Machina Mundi, de fotos aéreas feitas em diversos países.
Na entrevista a seguir, Edinger fala sobre as origens do novo livro, as diferenças de formação e perfil dos fotógrafos brasileiros e americanos (Edinger morou 20 anos nos EUA), os projetos que têm em andamento, seu processo criativo e sua visão sobre o futuro da fotografia, em um momento em que a popularização dos telefones celulares torna a prática acessível a um número inédito e crescente de pessoas no mundo.
O que o levou a escrever "História da fotografia autoral e a pintura moderna"? Que papel espera que a obra tenha para os fotógrafos e a fotografia brasileira?
Tenho dado cursos de fotografia há 40 anos. Quando voltei para o Brasil, depois de 20 anos fora (nos Estados Unidos), notei que temos muito talento, mas pouca cultura fotográfica. Sem cultura é impossível ser um bom fotógrafo autoral. Aí comecei a pesquisar de onde vinha o meu conhecimento. Uma coisa foi puxando a outra e quando percebi tinha material suficiente para um livro. Espero que este livro sirva de impulso para os jovens artistas brasileiros. O livro não tem nenhuma pretensão. O que temos que saber é muito, e este livro é só um balde do oceano. Mas é um bom começo, espero, para fotógrafos e para o público em geral perceber (quem ainda não notou) a imensa dimensão de nossa arte, em todas as direções.
Como avalia a formação dos fotógrafos brasileiros em história da arte? E de que forma isso impacta a qualidade da fotografia brasileira?
Tenho visto que quando menciono alguns nomes nos workshops ninguém conhece. Daí concluí que nossa cultura é deficiente. Como é deficiente nossa educação. Mas temos uma criatividade absurda, o que é muito bom. Com um pouco de educação, iremos a lugares pouco explorados. É só reparar a nossa riqueza musical. Rítmos e estilos variados — esta é a nossa natureza, somos uma mistura de raças que vai dar muito certo, principalmente no que diz respeito à arte, à economia criativa. Só é preciso um pouco de investimento nisso.
Você viveu duas décadas nos Estados Unidos. De modo geral, quais as diferenças fundamentais (de formação e estilo) entre os fotógrafos de lá e daqui?
A América viveu um boom econômico absurdo no pós guerra. Investiram pesado na educação, têm possivelmente as melhores universidades do planeta, sempre acreditaram na importância da educação. A coisa funciona como uma bola de neve. Bons alunos viram bons professores que pedem por grandes museus que acabam sendo apoiados pela sociedade e tudo reverte para uma melhor educação. Mas nós temos um poder criativo incomparável. Se nos derem as mínimas condições vamos transformar nosso país em uma potência. Já estamos a caminho. Vejo isso como um movimento irreversível.
Além de lançar o livro, este ano você já inaugurou a exposição Machina Mundi NYC. Quais os próximos projetos em vista e ou já em andamento?
A vantagem de se fazer as coisas no Brasil é que temos sempre que ter cinco ou seis projetos em andamento ao mesmo tempo para poder, enfim, viabilizar um deles. Estou fazendo um livro com fotos aéreas, Machina Mundi 2, um livro de histórias dos meus projetos (“Coisas que eu vi”). Ando pesquisando a criação de uma universidade de arte e tecnologia, quero fazer um livro sobre Jerusalém, outro sobre a China. Quem fica parado é poste.
Nos últimos anos, com as câmeras digitais, a fotografia se popularizou. Hoje, todo mundo se acha um pouco fotógrafo. É possível comprar fotos em grandes bancos de imagens a por centavos. Por outro lado, o preço dos equipamentos de qualidade ainda é muito alto. Qual a sua visão sobre o futuro da fotografia? Haverá espaço para que tipo de profissional?
Sempre haverá espaço para os profissionais — de moda, publicidade, jornalismo, gastronomia, arquitetura e casamento. Mas a fotografia autoral, que é a que me interessa, é a que mais tem evoluído. As redes sociais são de extrema valia. Poder publicar o que fazemos ajuda-nos a avaliar nosso trabalho, a corrigir os erros, a aprofundar a pesquisa. A fotografia se transformou na pintura do século 21. As obras sendo produzidas, e também os altíssimos preços, na casa dos milhões de dólares, de algumas delas, têm demonstrado isso.
Hoje, quase todo mundo fotografa com celular. As câmeras dos smartphones são cada vez melhores. Mesmo fotógrafos profissionais, cada vez mais, utilizam o celular, até pela praticidade. Mas praticamente todos os aparelhos tem um mesmo tipo de lente, as 28mm. Essa homogeneização impacta de alguma forma a estética fotográfica do nosso tempo? Se sim, de que forma? Há paralelos como outros períodos da história, como quando surgiram as câmeras 35mm, por exemplo?
Vivemos uma época sem precedentes na história. Principalmente na história da fotografia. Os smartphones têm revolucionado nosso olhar. A câmera agora é onipresente. Todo mundo está sendo alfabetizado, por assim dizer, em imagens fotográficas. É um revolução cultural comparável (mas muito superior) ao do aparecimento da escrita — as épocas são absolutamente diferentes. Não acredito em homogeneização da imagem, pelo menos nas imagens que importam. O photoshop e os aplicativos abrem absurdas possibilidades. O que fotografamos hoje é só uma linha — a pipa está lá em cima…
Como é hoje seu processo de criação? Como define os temas que vai fotografar?
Eu acredito que a fotografia é uma força da Natureza e comigo tem sido sempre assim. As situações vão aparecendo, a fotografia vai puxando a gente. Este trabalho com imagens aéreas, por exemplo, aconteceu por acaso porque me pediram uma foto do Maracanã. Acabei fotografando o Rio e assim começou.
Que novos fotógrafos ou correntes fotográficas hoje chamam a sua atenção no Brasil e no mundo?
No Brasil temos uma lista gigante de talentos antigos e novos e não vou citar nomes para não esquecer de ninguém. Mas em meu livro você tem os fotógrafos que pra mim são relevantes hoje em dia. Quanto às correntes fotográficas, são muitas, em todas as direções, desde auto-retratos incríveis, até stills de cinema, até construções surreais. A fotografia cresce horizontalmente e, a cada dia, aparecem talentos e obras novas. É lindo de se ver.
Como avalia a fotografia brasileira hoje? Por quê?
Nossa fotografia está entre as cinco mais importantes do mundo e com um pouco de ajuda vai pro topo. Somos uma jovem nação com um talento atávico extraordinário. Vivemos um momento fantástico, ainda mais diante de todas as dificuldades que enfrentamos. Ou talvez exatamente por isso.
Que equipamentos tem usado atualmente?
Uso uma Canon 5D Mark IV e um drone Mavic Pro 2 com câmera Hasselblad.
Cores e caos - entrevista com Gustavo Minas
O fotógrafo e jornalista Gustavo Minas é um nome popular na fotografia de rua brasileira atual. Ao longo dos últimos doze anos, construiu uma obra que se destaca pelas cores e sombras fortes, pela temática urbana e por composições muitas vezes aparentemente caóticas. Com ela, atraiu mais de 13 mil seguidores no Flickr e quase 50 mil no Instagram.
Venceu também alguns concursos fotográficos que lhe deram projeção: o Life Framer: Street Life; o POY Latam 2017, na categoria O futuro das cidades; e o Prix Photo Web Aliança Francesa 2017, com o ensaio O parto. Foi finalista de outros, como o Conrado Wessel 2016 e o Prêmio Gávea de Fotografia 2016, e destacou-se no último Sony World Photography. Exposições, conta três individuais e uma dúzia de mostras coletivas, no Brasil e no exterior, algumas delas como membro de coletivos que integrou, como o Flanares e o SelvaSP.
Agora, está lançando o primeiro livro, direto lá fora, pela Edition Lammerhuber. Chamada Maximum Shadow Minimal Light (Máxima sombra mínima luz), a obra nasceu do contato com um editor austríaco que viu o ensaio vencedor do Pictures of the Year Latam, de Minas, em uma newsletter sobre fotografia. Em 2017, o brasileiro foi para a Áustria editar cerca de 800 fotos, feitas desde 2010, e colocar o livro de pé. A versão final, ficou com 95 imagens, é uma espécie de retrospectiva do trabalho de Minas.
O livro é um dos temas da entrevista a seguir. Nela, Minas fala ainda sobre seu início na fotografia, as principais influências, o papel do fotógrafo Carlos Moreira em sua formação, seu processo de trabalho e a relação com as pessoas retratadas na fotografia de rua.
Como e quando você começou a se interessar por fotografia? O que mais te atraia?
Sempre tive um certo interesse, desde criança. Meu pai tinha uma dessas coleções meio enciclopédicas da Abril chamada "Nações do Mundo", e eu gostava de folhear e ver as fotos. No colegial, comprei uma câmera compacta e fotografava os churrascos da turma. Daí fui fazer jornalismo e meu pai me deu uma Yashica FX-D com uma 28mm que ele tinha parada em casa. Então, eu acabava fotografando a maioria das pautas do jornal laboratório. Havia um interesse pela fotografia, mas não sabia o que queria fotografar. Em 2007, comecei a trabalhar no jornal Agora São Paulo, 12 horas por dia, finais de semana, e estava precisando fazer outra coisa da vida para desbaratinar. Resolvi fazer um curso de fotografia e descobri o Carlos Moreira. Me inscrevi, e aí as coisas começaram a mudar. No primeiro semestre ele mostrou os mestres em PB: Bresson, Kertész, Robert Frank, Lee Friedlander, etc. Quando começamos o segundo semestre, fui descobrindo os caras da cor. Principalmente Harry Gruyaert, Alex Webb, Gueorgui Pinkhassov, Saul Leiter, que me tocaram mais, pelo jeito que lidavam com a luz. No caso de boa parte do trabalho do Webb e Gruyaert, a luz era muito parecida com a nossa. A partir daí comecei a fotografar quase diariamente. Como trabalhava à tarde, a única hora possível para encontrar essa luz "boa" era no começo da manhã. Então, comecei a sair de casa com o sol nascendo e a percorrer São Paulo, que era uma cidade ainda desconhecida para mim. Tinha uma Nikon D80 na época, e usava uma 24mm (que se tornava 36mm). Mas o curso do Carlos foi muito além de noções de composição e linguagem. Me ensinou muito sobre postura em relação à fotografia, sobre a fotografia como forma de se relacionar com o mundo, e me ensinou a não esperar nada da fotografia além da satisfação pessoal.
Desde que comecei a acompanhar o teu trabalho, pelo Flickr, lembro de ter ficado impressionado com o volume de imagens que você publicava diariamente. Você fotografa todo dia? Se sim, quantas horas? Como é a sua rotina de produção?
Sim, idealmente. Se tem sol, saio de manhã, quando o sol nasce, e ando umas três horas pela cidade. À tarde, aproveito o intervalo no meu trabalho (como jornalista) e fotografo mais uma hora quando o sol está se pondo.
Muitas das tuas imagens tem cores fortes, saturadas, e contrastes marcados entre claro e escuro, com sombras duras. Outras, têm reflexos. Geralmente, a composição é complexa. Às vezes, me lembram Alex Webb, outras, Gueorgui Pinkhassov. Quem são as suas referências e inspirações hoje?
Webb e Gruyaert foram referências muito fortes no início. Com o tempo, acho que fui incorporando outras, como o Pinkhassov e o Ernst Haas também. Além de, claro, tudo que eu li, vi e ouvi na vida, de fotógrafos que conheci no Flickr e no Instagram. Esse processo nunca termina. Acho que na minha série de Cássia tem muita coisa do Win Wenders, por exemplo. Mês passado fui fazer um curso com a Rosely Nakagawa e mostrei este esboço de trabalho sobre Brasília: www.gustavominas.com/Brasilia. Foi muito engraçado, porque no final da leitura ela disse que as fotos a lembravam um escritor japonês, o Haruki Murakami, e por acaso é o cara que eu mais tenho lido nos últimos anos.
Você já foi parte de coletivos, como o Flanares e o SelvaSP. Que papel ele teve na tua formação?
A fotografia de rua é uma prática muito solitária, então é bom sentir que não estamos sozinhos nessa. Estar em contato bem próximo com outros fotógrafos, de outra geração (eu era uns dez anos mais velho que a média da galera), como rolou na época do SelvaSP, abriu minha cabeça demais e me expôs a mais jeitos de olhar a rua. Me fez me afastar um pouco do formalismo mais clássico das minhas influências. Acho que rejuvenesceu um pouco minha fotografia. E a minha vida, na época, também.
Está trabalhando atualmente em algum projeto específico e ainda inédito? Pode contar algo sobre ele?
Não exatamente. Sempre luto pra fugir da Rodoviária de Brasília, que já fotografei bastante, mas acabo voltando a ela porque o fluxo de pessoas e a luz de lá me atraem muito. Às vezes consigo escapar. Aos poucos vou colecionando umas imagens de Brasília, além da Rodoviária, e tentando montar uma série sobre a cidade, sempre buscando imagens que fujam de alguma forma da concretude da realidade, que tenham algum nível de ficção, apesar de serem acontecimentos "reais".
Você vive de fotografia? Se sim, de que tipo? De arte? Ou faz trabalhos para terceiros também?
Que nada. Trabalho como jornalista numa empresa pública de comunicação para pagar as contas. Mas faço frilas de vez em quando. Tenho dado oficinas de fotografia de rua, vendo umas fotos de vez quando. Por um lado, é ruim porque me deixa preso aos mesmos lugares, e Brasília é uma cidade bem limitante para fotografia de rua. Por outro, me deixa livre pra fotografar só pra mim 99,9% do tempo.
Como escolhe os temas ou lugares onde vai fotografar?
Não tem uma escolha deliberada. Os temas e lugares geralmente surgem a partir de caminhadas. A luz do lugar e o fluxo de pessoas geralmente me fazem querer fotografar mais algum lugar. A criação dos projetos também surge assim. Vou fotografando o mesmo lugar despretensiosamente, e depois de um tempo, às vezes rola olhar para trás e ver que tem uma sequência que faz sentido no conjunto.
Você edita suas fotos no calor do momento, logo depois de fotografar, ou as deixa descansar?
Geralmente eu as trato no mesmo dia, ou nos dias seguintes. Daí deixo elas esquecidas por cinco ou seis meses antes de publicar, para tentar ter um olhar mais desapegado. De vez em quando preciso voltar aos arquivos ainda não tratados e descubro que tinha coisa ali que eu não tinha visto antes.
Como é o teu processo de pós-produção?
Bem básico. Num primeiro momento, bato o olho rapidamente nas fotos e vou dando quatro estrelas pras que eu quero rever. Dou uma segunda olhada e escolho as que acho que vale a pena tratar. Começo com um preset e vou fazendo ajustes na exposição, recupero sombras e luzes altas, e também ajusto as cores individualmente, dependendo da luz e da temperatura de cor. E faço alguns ajustes pontuais de exposição com os pincéis também.
Você já disse em uma entrevista que uma das tuas grandes inspirações foi o Carlos Moreira. É uma escola para muita gente. O que você, em particular, aprendeu com ele? De que forma ele te ajudou a transformar a tua fotografia? Quando você fez o curso com ele?
Fiz em 2009. Como disse na primeira questão, o curso foi muito além de noções de composição, cor, luz, além da imersão na história da fotografia. Para mim, além da obra maravilhosa, o Carlos é muito inspirador pelo jeito que ele encara a fotografia: a despretensão, a consciência do nosso lugar minúsculo na história da fotografia, a ideia de que a prática deve estar muito mais ligada à satisfação pessoal, à descoberta do mundo e de si mesmo, e que os resultados fotográficos são apenas consequência do que a gente é, de como a gente vê. E uma coisa que ele sempre falava ficou marcada em mim: fotografia é ficção. Isso me deu a consciência de que eu não precisava depender de fatos interessantes para fazer fotos interessantes. Pelo contrário: o banal deveria ser a matéria-prima a ser trabalhada e transformada através do olhar, da luz, do enquadramento.
A fotografia passou por um processo de democratização, nos últimos anos. Hoje, muita gente tem acesso à boas câmaras. O número de fotos a que somos expostos diariamente é imenso e crescente. Todo mundo se acha um pouco fotógrafo. Li em uma entrevista sua uma comparação interessante. A de que muita gente sabe escrever, mas poucos são escritores. O que diferencia um fotógrafo das demais pessoas que fotografam?
Ouvi essa comparação pela primeira vez com a professora Simonetta Persichetti. Mas não acredito em dom, "olho bom" ou inspiração. No fundo, o que diferencia o fotógrafo de quem apenas fotografa é a vontade e a prática aliada ao estudo dessa linguagem. Não acho que fotógrafos tenham um dom especial, apenas são pessoas que se dedicam mais à fotografia, seja por prazer, dinheiro, vaidade, etc.
Em muitas das suas fotos, fica a impressão de que as pessoas fotografadas foram pegas de surpresa. Algumas, inclusive, parecem não gostar muito. Esse é um dos grandes receios de quem começa a fotografar na rua. Você já arrumou confusão por causa disso? Tem alguma estratégia para evitar problemas?
Algumas pequenas. Mas nunca apanhei. Então, acho que estou no lucro. A estratégia é tentar intuir e respeitar o limite dos outros, ter empatia. Mesmo que eu não converse com as pessoas antes de fotografá-las, quase sempre rola um pouco de comunicação não verbal, ainda que muito sutil. Muitas pessoas não se importam. Outras até gostam de ser notadas. Quando alguém reclama, tento explicar o que estou fazendo, digo que estou estudando fotografia e fotografando a cidade. Quando pedem, apago a foto. É importante ter a consciência de que não se está fazendo mal a ninguém, e passar essa tranquilidade às pessoas de alguma maneira, seja sorrindo ou demonstrando naturalidade no ato.
A fotografia, para você, deve ter papel político? Se sim, qual?
Não acho que ela deva ter, mas acho que ela pode ter. Mas entendo esse papel político além do simplesmente fotografar tragédias, protestos e questões sociais. Acho que há política na fotografia em um nível mais pessoal, em dedicar um tempo a observar as cidade, a vida dos outros, a tentar entender e fazer parte do seu entorno. E acho que há política em tentar extrair beleza do banal e do cotidiano, em passar isso adiante por meio de imagens. Fazer as pessoas verem, tirá-las dos seus mundos, também pode ser um ato político.
Que equipamentos você usa para fotografar? Por que os escolheu?
Desde 2014, tenho usado câmeras mirrorless. Comecei com Fuji, fui pra Sony e voltei pra Fuji. Elas são mais lentas, mas gosto das cores do sensor da Fuji e do fato de serem bem menores e mais leves pra andar na rua.
Qual o seu projeto preferido, e por quê?
Pô, não tem um preferido. Mas eu acho que o Rodoviária é o mais bem resolvido. Acho que o fato de eu fotografar o mesmo lugar quase todos os dias, por três, quatro anos, me fez desenvolver como fotógrafo. Comecei fazendo fotos bem frontais e descritivas, e com o passar dos meses fui "forçado" a buscar novos ângulos, os reflexos, novos cantos, para tentar não ficar estagnado e preso naquele espaço físico demarcado.
Você está lançando agora o seu primeiro livro. Como surgiu o projeto?
Surgiu justamente com o Rodoviária. O ensaio foi vencedor na categoria "O Futuro das Cidades" no concurso Pictures of the Year Latam, em 2017, e circulou um uma newsletter sobre fotografia. Essa newsletter chegou a um editor austríaco que gostou do trabalho, foi atrás de outras coisas minhas e entrou em contato propondo um livro. Em 2017, fui para a Áustria e trabalhamos na edição a partir de umas 800 fotos que tinha feito desde 2010. Fizemos algumas poucas mudanças desde então. A versão final tem 95 fotos.
Qual o foco do projeto? Sobre o que trata?
Desde o início, a ideia era fazer uma "retrospectiva", um apanhado geral do que eu tinha produzido até então. Não tem uma linha narrativa, nem é organizado por lugares ou ensaios. É um livro de fotos soltas.
Quem está bancando?
A editora, 100%.
Qual a sua expectativa com ele?
Os livros sempre foram meu jeito preferido de ver fotos, então só o fato de ele existir pra mim já é uma realização em si. Mas, claro, também estou muito satisfeito de estar na prateleira de outras pessoas, de conseguir me comunicar desta forma.
Revisitando a fotografia - entrevista com Rafael Jacinto
A trajetória do fotógrafo paulista Rafael Jacinto se mistura, em boa medida, com a da Cia de Foto, provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileira dos anos 2000. Antes colaborou com a revista de surf Hardcore, trabalhou no jornal Notícias Populares e integrou a equipe fundadora do Valor Econômico. Mas foi a partir de 2003, ao lado de Pio Figueiroa, João Kehl e Carol Lopes, que seu trabalho ganhou maior projeção fora do meio editorial, no Brasil e no exterior.
Conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, a Cia durou até o final de 2013 e se notabilizou pela intensa pós-produção e experimentação estética. Ao longo de dez anos, foram mais de 15 projetos autorais, além de trabalhos editoriais para revistas nacionais e estrangeiras, que geraram no meio discussões intensas sobre autoria na fotografia.
Entre os trabalhos mais conhecidos do coletivo está o registro da vida pessoal de seus integrantes. “Caixa de Sapato”, foi exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Com “25 de Março”, sobre a famosa rua de comércio popular paulistana, a Cia também entrou para a Coleção Pirelli Masp.
Após o fim do coletivo, Rafael manteve a parceria com Kehl e passou a integrar como diretor a equipe da produtora Paranoid, que tem como sócio o cineasta Heitor Dhalia. Em 2018, saiu da Paranoid para se tornar sócio da Fluture, com Kehl e a produtora executiva Flavia Padrão. Em paralelo, vinha tocando projetos fotográficos (Album, America e A Photo a Day), até ser aceito em um Master de Fotografia em Milão, na Itália, para onde embarcou este ano. De lá, por e-mail, falou sobre seu interesse renovado na fotografia, processo de criação e o futuro da atividade.
Depois do fim da Cia de Foto, você foi para a direção de fotografia e de cena. Agora, em Milão, tem produzido bastante, pelo que se vê no Instagram, mas são principalmente fotos. O que levou a essas mudanças? Está voltando a se concentrar na fotografia? Por quê?
Desde que me formei, em 98, vivo da fotografia. Eu basicamente segui o dinheiro. A tecnologia juntou a fotografia a outras linguagens e eu fui acompanhando e incorporando essas novas funções a de fotógrafo. A Cia de Foto terminou há cinco anos e eu produzi muito desde então. Tenho um portfólio comercial melhor do que quando o coletivo existia. Mas os orçamentos estão cada vez menores e eu acho a publicidade cansativa. Muitas vezes prioriza-se o custo e o prazo. Há pouco mais de um ano eu comecei a procurar e encontrei esse Master em Fotografia aqui em Milão. É um Instituto Internacional, da Ásia. Eles chegaram a Milão há dois anos apenas. É o segundo ano desse Master, de dez meses. Eles também oferecem graduação e cursos de três anos nas áreas de design e moda. A bolsa é de acordo com seu desempenho, sua aplicação e portfólio. As entrevistas são individuais. Eu tenho cidadania Portuguesa, então entrei na cota dos europeus. Apliquei e fui selecionado. A cidade interessa não só a mim, mas também a minha esposa (a jornalista Michele Oliveira). É uma pausa na carreira e a tentativa de redescobrir a fotografia. A fotografia é uma linguagem complexa e me fascina muito. Olho os trabalhos da Cia hoje em dia e vejo que a gente sabia antecipar as discussões, principalmente sobre o suporte e a tecnologia. Acho que alguns trabalhos foram importantes quando fizemos, mas hoje em dia demandam um entendimento de época. Isso teve muito a ver com a tecnologia, com a evolução do equipamento a da mídia. Por estar insatisfeito com a minha produção atual, volto a fotografia e quero me satisfazer nela.
Quais os projetos aos quais tem se dedicado?
Não tenho um grande projeto, são todos exercícios ainda. Antes de sair do Brasil, fiz um trabalho sobre o bairro de Pinheiros, todo fotografado com celular, durante meu trajeto entre minha casa e meu estúdio. Ele está em fase de edição e quero fazer um livro. Quando cheguei aqui, fiz um pequeno ensaio com turistas. Eu pedia para eles fazerem uma foto minha em frente a um ponto turístico e eu fotografava ao mesmo tempo. O turista sou eu, também. Depois aproveitei a loucura das compras de fim de ano e fiquei parado num vão da Galleria Vittorio Emanuele, fotografando o mar de turistas que nem percebiam a minha presença. Fiz essas fotos em um horário específico, quando a luz do sol entrava por um vão e refletia nas janelas. Um outro, que estou desenvolvendo aqui é sobre as cores no subúrbio de Milão. Comparada com São Paulo, Milão é uma cidade pequena que está sofrendo um processo de gentrificacão muito rápido. Está sendo bem legal pensar nesse trabalho. E comecei um estudo novo esses dias. A ideia é pensar como atualizar a fotografia de rua. Mostrar o momento acontecendo. Ainda é só um estudo, mas as imagens são bem interessantes. São dois cliques, dois fotogramas. É uma tentativa de fazer fotografia de rua com algo a mais.
Como tem escolhido os temas que vai fotografar?
Tenho sempre ideias de trabalhos. Algumas voltam sempre e eu vou adaptando e vendo se encaixa na minha atual circunstância. Um fator essencial é a viabilidade da ideia. Algumas ideias que pareciam inviáveis, ou que eu não achava um jeito de fazer, agora estão se mostrando mais possíveis.
Como é seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou há coisas comuns em todos?
Ser fotógrafo é uma ocupação em tempo integral. O tempo todo estou pensando nos trabalhos que estou desenvolvendo ou em ideias que estão guardadas na minha cabeça. Às vezes, um livro, uma exposição, o trabalho de outro artista podem ativar e recuperar uma dessas ideias. Eu ando muito a pé, e enquanto ando penso muito. Normalmente é durante um desses trajetos que uma ideia ou um caminho aparecem. Sempre dá pra achar um ponto em comum entre projetos. Posso dizer que a discussão sobre o tempo sempre está presente. Mas a fotografia é sobre o tempo, então é fácil dizer isso. Dos dois trabalhos citados acima, posso falar que a relação do pedestre com a cidade é o que me guia. Tem muito a ver com uma postura que adotei há alguns anos. A de caminhar e de evitar qualquer outro meio de transporte.
Tem planos profissionais na Itália?
Não. Estou no meio do curso e quero tentar focar apenas nele. Minha esposa é jornalista e está escrevendo daqui, então o combo texto+foto pode rolar em breve. Vamos ver.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
A gente estava atuante na transição do analógico para o digital. O grupo tinha conhecimentos diversos e o avanço tecnológico permitiu que a gente encontrasse uma estética própria. A partir de 2006/2007, a Carol (Lopes) entrou no grupo. Ela não fotografava com uma câmera, mas dominava a edição das imagens. Ela incorporou o método que vínhamos usando até então e o levou para outros lugares. Acho que também encabeçamos um movimento não só estético mas de abordagem aos temas. Hoje, estou muito mais interessado no clique e na edição das imagens do que no tratamento. Quase não abro mais o photoshop em si, resolvo tudo no camera raw. Então, posso dizer que estou em busca de uma linguagem em que a forma de abordar os temas e apresentar os trabalhos são muito importantes.
Quem são suas referências atualmente, na fotografia e fora dela, que influenciam a sua forma de fotografar? Por quê?
De fotógrafos, tenho voltado aos clássicos. Estou revendo muito Robert Frank, Walker Evans, William Eggleston, Garry Winogrand, assim como Bernard Plossu, Teju Cole (textos críticos), Raymond Depardon, Claudia Andujar, Rosangela Rennó, Thomas Struth, Ed Ruscha, Rineke Dijkstra, Jean Marc Bustamante, entre muitos outros. É engraçado porque eu sabia pouco sobre a fotografia italiana. Eu achava que sabia mais, mas tendo contato aqui com autores menos conhecidos está sendo bem enriquecedor. Mas atualmente existem dois livros que eu trouxe comigo que estão me ajudando bastante: “Doutrina das Cores”, do Goethe, e “Walkscapes: o caminhar como prática estética”, de Francesco Careri. E aqui descobri um outro chamado “Le Fotografie del Silenzio”, de Gigliola Foschi. Mas quero mesmo é desenvolver um projeto que não precise de explicação. Em que a fotografia seja a única forma e que baste. Essa é a parte mais difícil. Abrir mão de texto, por exemplo. Mas o exercício tem sido exatamente esse. Fotografia é uma linguagem e eu estava destreinado nela. É como escrever ou tocar um instrumento. Exige prática e pesquisa.
A fotografia, para você, deve ter papel político? Se sim, qual?
Devemos ser políticos em tudo. Eu sempre andei de skate, e isso para mim foi sempre uma postura política. Como nos alimentamos ou lidamos com a comida é uma postura política. O modo de se locomover é político. Então porque a fotografia não seria? Um trabalho comercial não precisa ou deve ser político mas até a decisão de realizá-lo ou não é política.
Hoje, viver de fotografia parece cada vez mais difícil. Há bancos de imagem imensos que oferecem fotos de graça, ou quase de graça. Jornais e revistas, que costumavam ser escolas e meio de vida para muito fotógrafos, estão em uma crise de modelo de negócios que parece longe do fim. Como enxerga o futuro da fotografia? Para onde ela caminha?
Acho que existem várias crises rolando ao mesmo tempo. Tenho tido discussões enriquecedoras aqui. Desde o diretor de negócios da Magnum, passando pela editora da Contrasto e a curadora do MEP (Paris), todos estão tentando entender o que está acontecendo. A imagem é cada vez mais essencial para a comunicação. A fotografia nunca foi tão utilizada para comunicar uma marca ou um produto como nos dias de hoje. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo é produtor. Essa equação ainda está sem solução. Eu enxergo uma saída em conteúdos personalizados, exclusivos. Mas só vai sobreviver quem tiver ideia, pensar, sugerir. Para isso, é preciso estudar e pesquisar muito. Eu não sei o que vai ser. Um fotógrafo com experiência, que também tenha ideias e colabore com a criação há de voltar a ser valorizado. Os influenciadores digitais estão comendo uma grande parcela da grana mas eles são superficiais e estão à mercê do algoritmo. Espero que o conhecimento e a experiência voltem a ter mais valor do que o número de seguidores.
Que equipamentos costuma usar para fotografar?
Gosto muito do meu smartphone porque está sempre comigo. Alimento duas contas no instagram com ele. Uma mais pessoal e com fotos em preto e branco, outra que é um projeto de uma foto por dia, que venho realizando há mais de três anos. Aqui adotei minha Fuji X100F como a minha câmera. Carrego ela comigo e não preciso de mais nada para os projetos que desenvolvo. Ela é pequena, com uma lente única e com um arquivo incrível.
Brasil Indígena - entrevista com Rodrigo Paiva
Esta entrevista está no forno há uns três anos. Na época, Rodrigo Paiva, amigo fotojornalista tocava um projeto fotográfico e um documentário sobre povos indígenas brasileiros. Tinha coberto uma edição dos Jogos dos Povos Indígenas, em 2013, e uma dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, espécie de Olimpíada dos povos indígenas, em 2015. Havia viajado e feito entrevistas sobre os conflitos entre indígenas e fazendeiros no Centro-Oeste. O material em vídeo não chegou a ficar pronto. Mas, dos jogos, saiu uma série de retratos, a que deu o nome de Brasil Indígena. Vi as imagens e achei que seria legal falar sobre elas por aqui.
Sentamos para conversar numa sexta-feira, no Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo. Pedimos arroz com polvo e algumas cervejas, no Rainha do Mercado. Antes que editasse a entrevista, fui convidado a trabalhar em tempo integral em uma redação. O tempo livre rareou e acabei deixando o blog e o papo parados até agora.
Da data da conversa para cá, Rodrigo migrou do fotojornalismo, cada vez mais mal remunerado, para a fotografia de publicidade. E o projeto de fotografar etnias indígenas, batizado de Brasil Indígena, ficou em banho-maria. Mas como as fotos continuam a me chamar a atenção, e a questão indígena ganhou ainda mais relevância no atual cenário político brasileiro, resolvi publicá-las, com a entrevista, mesmo depois de todo esse tempo. É a que segue.
Como surgiu a ideia de fazer o teu projeto Brasil Indígena?
Sempre fui apaixonado pelas histórias dos índios. Na minha infância, eu e minha mãe passávamos os domingos assistindo as incursões do Washington Novaes no Xingu. Em 2012, tive a ideia de ir para o Mato Grosso do Sul tentar fotografar o movimento de retomada (do que os índios reclamam como suas terras sagradas), o Tekoha. Fui sozinho. Um certo dia, uns amigos que sabiam do meu interesse pelos índios, me falaram da organização dos jogos indígenas, no Mato Grosso. Comecei a pensar no que fazer para as minhas fotos se destacarem. Eu sabia que as agências internacionais iam estar lá. Ia fazer foto de jogos? Por quê? Aí veio a ideia de fazer um retrato de cada time, de contar a história das etnias do Brasil. Afinal, iam estar lá 48 etnias.
A ideia foi fazer um registro etnográfico, então?
Minha referência eram aquelas gravuras antigas de índios. Desde o momento que eu cheguei lá, meu foco foi fazer retratos. E não é fácil fazer retrato deles. Porque os organizadores ficam muito tensos, não deixam. Tem toda preocupação com a imagem do índio. Eu não tinha visto, até então, quem tivesse feito isso, que tivesse esse acervo. Geralmente o cara tem de um canto do país. Do Pará ou da Amazônia. Achei que era uma ótima oportunidade de fazer.
E você voltou nos jogos de 2015. Como foi fotografar nessa segunda vez? Foi mais fácil ou mais difícil?
Foi muito mais difícil. Me pareceu que o governo federal tinha o controle absoluto do que estava acontecendo. Da outra vez, em 2013, me pareceu mais amador. As próprias filhas do Carlos Terena, que é o grande organizador dessa história, estavam fazendo assessoria junto com outras meninas. Os índios ficavam com a gente, tinha uma interação muito legal. Os mais isolados nos olhavam muito, se olhavam entre si. Foi mais interativo. Eles estavam muito melhor, parecia que estavam mais felizes. Já em 2015, parece que profissionalizaram o negócio. O governo teve a preocupação de não deixar os indígenas próximos da arena onde aconteciam os jogos. Eles se movimentavam de ônibus, a gente tinha pouco contato com eles. Sem dúvida o governo estava muito mais preocupado. Coincidência ou não, na mesma semana estava rolando a discussão sobre a PEC 215. Tinha muita polícia por lá, tropa de choque. Acho que não haverá outros jogos como os de 2013. Parecia ser mais orgânico, as pessoas interagiam. Dessa vez, não era orgânico. Mesmo porque, o evento foi aberto pela presidente Dilma com a Kátia Abreu (empresária pecuarista, então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que os índios dizem ser a principal inimiga deles.
Você expôs as fotos que já tinha do projeto lá, né? Como foi a recepção?
Eu não tive contato, cheguei no domingo. Tinha fotos de outros fotógrafos também. Eu não sei te falar. Não consegui conversar com os índios.
Quantas etnias você já tem fotografadas? O que você imagina fazer com esse material?
Tenho 17 etnias bem retratadas, de um jeito que eu gostei. Estão bem resolvidas. Eu ainda não sei o que eu quero fazer com esse material. Minha intenção é continuar a tocar, ir juntando. Seria legal expor, mostrar, se fosse pro exterior. Mostrar esse gene nosso. Porque a gente é muito índio. O interessante do índio é que cada etnia é diferente. Eles têm os traços diferentes, os cabelos diferentes, a estrutura corporal diferente. Os olhos são diferentes, a sobrancelha. São totalmente diferentes. Você vai para São Luís, é um tipo. Você vai pro Sul do país, é outro.
Você tem um material em vídeo também, né?
É, mas é da Retomada.
Pretende dar continuidade a ele também?
Não, a Retomada é diferente do Brasil Indígena. É sobre o maior conflito indígena por terras do país. Tem um dos meus personagens, um político, que diz que você pode voltar daqui a 30 anos, e tudo vai continuar na mesma, porque ninguém resolve nada. Eu tenho duas incursões grandes no Mato Grosso do Sul. É um registro histórico. No futuro, tudo isso vai se encontrar. Daqui a 30 anos, as pessoas vão olhar essas imagens e vão falar, que coisa de louco. Tenho certeza de que daqui a 30 anos, a metade das etnias que eu fotografei já vão estar diluídas nesse processo. São por volta de 362 no país, eu só tenho 17. Eu não conto que vou ganhar dinheiro com isso. Eu quero que fique como registro. Um dia esse material vai servir para estudos. Eu piro nisso.
Como e quando você começou na fotografia?
No interior (Assis - SP) não tinha essa influência de fotografia. Muito menos eu, que venho de uma família de funcionários públicos. Só tinha aquelas shotzinha, com filme. Mas meus pais assinavam a Folha de S.Paulo. Eu ficava impressionado com aquelas fotos, aqueles títulos, aquelas reportagens. Uma vez eu vi uma foto muito louca, do Jorge Araújo, lá em Brasília. Um cavalo empinado, pau quebrando, com índio. Pensei, é isso que eu quero fazer da minha vida. Tinha uns 14 anos. Aí fui fazer publicidade. Certo dia, um professor de antropologia chamado Rubens falou: vamos fazer, cada um, aqui em Assis, um documentário fotográfico. Aquele chamado me despertou. Fui nas Casas Bahia e comprei uma Zenit. Custava R$ 135. Tinha uma objetiva grande angular. Tinha uns meninos que nadavam no esgoto, em Assis. Eu fiz uma história que chamava Meninos do Esgoto. Teve repercussão na cidade, exposição e tudo. Daí não parei mais.
Fez publicidade?
Mudei para Piracicaba. Fiz jornalismo, durante dois anos, depois fui para publicidade. Mas continuei na fotografia. Em 1998, vim pra São Paulo, fazer estágio. Foi onde eu comecei a ver as primeiras referências legais de composição. Eu tinha me dado bem como diretor de arte, ganhado um prêmio na faculdade. Mas minha vida era fotografia. E eu não tinha dinheiro para isso. Aí fui pro Canadá para comprar uma câmera razoável.
E comprou que câmera?
Cheguei lá sem dinheiro, no início dos anos 2000, e comprei uma Olympus. Ai voltei pro Brasil e fui direto para a pós-graduação no Senac, em 2002. Quando eu entrei, um amigo meu disse que tinha uma vaga lá na Futura Press e que eu tinha estilo de fotojornalista. Bem depois fui trabalhar na Folha. Conheci o João Bittar e ele falou pra eu ir na Agência Estado conversar com a Mônica Maia, que me deu uma puta oportunidade. Até que o João Bittar me chamou para fazer uns trabalhos na Quem e na Revista Época. Cobri uns oito meses de Mensalão em Brasília. Acabando isso, voltei pra São Paulo, acho que foi em 2005. O João Bittar me indicou para a Folha, para o Toni Pires. O Toni me contratou como freela fixo. Fiquei até 2008 lá. Foi a grande escola, mesmo. Você recebe três pautas por dia, todo santo dia. Trabalhava 14 dias e folgava dois. Foram três anos assim. Chegou um momento em que eu não aguentava mais. Resolvi ir embora pra Austrália, dar uma respirada. Depois de oito meses trabalhando em cozinha, falei vamos embora dessa porra, voltar pro Brasil que eu preciso voltar a fotografar. Fotografia é igual a futebol. Se para de treinar, a bola bate na canela. Voltei e, de cara, tive uma oportunidade na Reuters. Mas eu não estava preparado. Fazia já quase uma ano que não fotografava. Aí voltei pra vida de freela.
Quem são as tuas principais referências em fotografia?
Eu não tenho umas referências certas assim. Sendo profissional, você tem que estudar história da fotografia, tem que parar e olhar para todos os profissionais que estão se destacando. Cada um tem uma visão diferente. E você vai pegando. Eu boto no search da Reuters e vejo todas as fotografias que estão ali. Entro na Agência Estado e vejo todas as fotografias que estão ali. Marcar uma estética sua é difícil. Você vai pegando referências de um e outro, testando, adaptando ao seu trabalho. Precisa estudar todo santo dia. Olho pra tudo. Sou xereta. Quero ver mais sobre a pessoa, se me chama a atenção. Tento usar fotojornalismo misturado com direção de arte. Eu sempre trabalho com as regras de direção de arte. Em uma foto, os elementos precisam estar distribuídos harmonicamente. Me preocupo com aspectos formais de composição. Peso e equilíbrio. O básico é o fotojornalismo. Mas eu tento agregar esse lado de direção de arte, para melhorar a estética. Vem junto essas referências. Não existe segredo. Tudo é referência. É uma somatória de repertórios. Você precisa estudar a todo momento.
Fred Frith Trio
Show do Fred Frith Trio, do guitarrista de jazz experimental Fred Frith, com a trompetista Suzana Santos Silva e a designer de luz Heike Liss. No SESC Pompeia, em São Paulo.
O mapa da fotografia em São Paulo
São Paulo é certamente o melhor lugar do Brasil para se ver exposições de fotografia e, provavelmente, um dos melhores do mundo. Tem dezenas de museus e galerias. Alguns são dedicados exclusivamente ao tema. Outros, ainda que exibam também pinturas, esculturas, vídeos e instalações de arte, mantém uma intensa agenda de exposições, espaços para o debate e o estudo da fotografia.
O Instituto Moreira Salles (IMS), por exemplo, tem uma biblioteca sobre o assunto, um acervo com 2 milhões de imagens e a revista Zum. O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), junto com a Pirelli, construiu, entre 1990 e 2012, uma das mais amplas e diversas coleções de fotografia brasileira. O Museu da Imagem e do Som (MIS) tem, além de exposições, cursos. E há ainda o Instituto Tomie Ohtake, a Caixa Cultural, o Itaú Cultural e a Pinacoteca.
Entre as galerias especializadas, alguns destaques são a Ímã, a DOC e Babel. A Ímã tem obras de cerca de 80 fotógrafos em acervo. São nomes como Walter Firmo, João Bittar e Nair Benedicto. Na DOC é possível ver imagens de jovens talentos, como Victor Dragonetti (Drago), e de fotógrafos documentaristas consagrados, como Mauricio Lima, único brasileiro a vencer o Pulitzer. Já a Babel tem em acervo obras de grandes nomes da fotografia internacional, como Bruno Barbey, Elliott Erwitt, Thomas Hoepker, Steve Mccurry e David LaChapelle.
No mapa abaixo, há cerca de 40 endereços paulistanos nos quais é possível encontrar fotos sobre os mais diversos temas, de fotógrafos nacionais e estrangeiros. Além da localização, clicando sobre os ícones, aparecem o endereço do site, o horário de funcionamento, o telefone e alguns nomes representados ou mantidos em acervo. Mesmo que não haja nenhuma exposição nos grandes museus, sempre dá para apreciar boa fotografia - para todos os gostos -, em São Paulo.
(Caso conheça galerias não incluídas no mapa, é só enviar o nome e o site por e-mail)
A vida nos extremos - entrevista com Fabio Teixera e Alex Ribeiro
Os fotógrafos freelancer Fabio Teixera, de 38 anos, e Alex Ribeiro, de 36 anos, passaram o ano de 2015 atrás de histórias de gente vivendo em situações extremas no Rio de Janeiro. Realizaram mais de 20 entrevistas. Conversaram com meninos caçadores de rãs, limpadores de sepultura, caçadores de caranguejo, prostitutas. Estiveram no bairro do Caju, no Complexo do Alemão, em cemitérios, manguezais e na Vila Mimosa, uma das mais famosas áreas de prostituição do país. Este ano, diz dupla, vão reunir as histórias em um documentário e, as fotos feitas em paralelo, em uma exposição, ainda sem data definida. O nome de ambas será Sobreviver.
A ideia surgiu durante um café. Colegas de profissão, os dois se conheceram na cobertura de eventos que viraram notícia no Rio de Janeiro e logo perceberam que tinham interesses comuns para além do jornalismo. A ambição de ambos era também fazer documentários sobre questões sociais, como “Vivendo um outro olhar”, o filme que levou Teixeira, paulista de Piracicaba, a conhecer a atual noiva, Ingrid Cristina, e a se mudar para o Rio, em 2009 – Ingrid também é fotógrafa e aprece no documentário. Decidiram, então, unir esforços em um projeto comum.
Na entrevista a seguir, Teixeira e Ribeiro falam sobre suas carreiras, sobre o documentário e a foto campeã do prêmio Nikon deste ano, vencido por Teixeira.
Como surgiu o interesse de vocês por fotografia?
Ribeiro – Desde os 15 anos, quando ganhei uma câmera Mirage, eu ficava tão ansioso para ver os resultados da revelação, que ia sempre um dia antes do prometido. Daí descobri a paixão pela fotografia. Até hoje eu sou assim, quando vou revelar um filme. Aos 21 anos, comecei a vida profissional fazendo fotos sociais para amigos e vizinhos. Depois de dois anos, queria fazer fotojornalismo. Saí para a rua para montar um portfolio e não parei mais.
Teixeira – Começou em 1992, eu era assistente de casamentos. Fazia assistência de estúdio, publicidade, books, casamentos. Já gostava muito. Tinha uns 15 anos, na época. Fiquei oito anos nesse ramo. Depois comecei a fotografar para um jornal da minha cidade, no interior de São Paulo, o jornal A Tribuna de Piracicaba. Fiquei quatro anos. Depois comecei a fazer trabalhos pra agência Folhapress, já em 2004.
Mas você, Fabio, hoje mora no Rio de Janeiro, certo ?
Teixeira – Sim, moro aqui agora. Minha noiva é carioca. Mudei de Piracicaba para o Rio em 2008 ou 2009. Ganhamos um apartamento do meu sogro, depois de um ano de namoro. Mudei para morar com ela. Antes, eu morava em Piracicaba. Conheci ela através de um documentário que vi no YouTube, chamado “Vivendo um outro olhar”, do Guilherme Planel. Ela aparece no filme. Ficamos amigos, depois ela veio à minha cidade passar uns dias.
Vocês dois trabalham como freelas? Para quem?
Teixeira – Sim. Corbis, UNICEF, Cruz Vermelha, HBO, CNN, Reuters, AFP, Folha, BBC, ONU, Vice, Veja, Uol. E faço trabalhos documentais.
Ribeiro –The Sun, Dailymail e Estadão Conteúdo, como colaborador.
Como surgiu a ideia do documentário Sobreviver?
Ribeiro – Nos conhecemos cobrindo pautas. No convívio com o Fábio, descobri que tínhamos a mesma ideia de fazer fotos documentais. Então, eu e ele pensamos em trabalhar juntos em um projeto, pensamos em um assunto bem extremo, pessoas que vivem em condições extremas de sobrevivência. Daí saiu o documentário Sobreviver.
Teixeira – A ideia surgiu um dia em que estávamos tomando um café. Com o tema definido, eu e o Alex começamos a documentar as comunidades no Rio.
Quando começou e em que pé está o trabalho?
Teixeira – Começamos há um ano e três meses e estamos já na fase final. Em breve, começaremos a fase de edição. Entrevistamos umas 20 pessoas. Gente que vive no mangue, em favelas do Rio, como o Alemão, Pantanal e Caju. Esperamos lançar ainda em 2016. Essa é a ideia. Na primeira fase do projeto, éramos só eu e o Alex. Agora, na edição, Planel (Guillermo Planel) está nos ajudando. Fizemos vídeos e fotografia, e vamos fazer exposição também. A exposição não tem data, mas vai rolar. Faz parte do projeto.
Ribeiro – As fotos fazem parte do documentário. Será um filme de fotos e vídeos, contando histórias.
Como selecionaram os personagens? Por profissão?
Teixeira – Sim, profissões diferentes. Meninos caçadores de rãs, limpador de sepultura, caçadores de caranguejo, prostituição da Vila Mimosa.
Vocês já conheciam alguns? Como foi convencê-los a participar?
Teixeira – Não conhecíamos ninguém. Só na Mimosa, foram sete meses de trabalho.
Tem um trabalho de ganhar confiança, né?
Teixeira – Sim. Mas, a cada história, uma nova lição. Na Vila Mimosa, havia uma mulher que fazia oração antes de ir fazer os trabalhos dela, os programas.
Ribeiro – Cada espaço que fotografamos foi conquistado com muita conversa e tempo. Ninguém chega lá de uma hora para outra e começa a fotografar. Primeiro ficamos bem conhecidos no local. Depois ganhamos a confiança. Daí surgiram os primeiros clicks. É claro que nem todas aceitavam ser fotografadas. Mas as que permitiam, a agente não perdia tempo. A câmera sempre era direcionada para as meninas, mas eu ficava esperando passar clientes e curiosos, para dar aquela composição. Tinha clientes que não se importavam com as lentes. Aí já viu, era tudo que queríamos. Mas nem todos se agradavam com a nossa presença. A maioria não gostava.
Qual o momento que mais te marcou durante todo o processo?
Ribeiro – Na Vila Mimosa, uma garota de programa, cheirando cocaína em cima de uma lixeira.
Qual a principal dificuldade que enfrentaram? Por quê?
Ribeiro – A principal dificuldade é o tempo, pois eu trabalho, e nem sempre o tempo do Fábio é o meu tempo. Para ser documentarista, tem que ter muito tempo e muita paciência.
Fabio, você acaba de vencer um concurso, o "Eu sou o Natal", da Nikon. Pode nos contar um pouco os bastidores da foto que venceu?
Teixeira – Foi feita no final de 2015. Fui acompanhar um Papai Noel na favela de Ramos, que é um garoto de 14 ou 15 anos, morador da Maré. Uma academia doa brinquedos todos e ele ajuda a entregar. Fica perto da minha casa. Minha mulher acompanha a entrega dos presentes há cinco anos e, eu, há dois.
É seu primeiro prêmio?
Teixeira – É, sim.
Cia solo – entrevista com Pio Figueiroa
O fotógrafo recifense Pio Figueiroa integrou o que foi provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileiro dos anos 2000. Depois de uma temporada de oito anos de fotojornalismo, com passagens pelo Jornal do Commercio, Editora Abril, Editora Três e Valor Econômico, fundou em 2003, com Rafael Jacinto, João Kehl e Carol Lopes, a Cia de Foto.
A Cia ficou conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, por uma forte pós produção das imagens e pela experimentação estética. Publicou em revistas brasileiras, como Veja, Revista da Folha e IstoÉ, e em títulos estrangeiros de peso, como Time Magazine, Newsweek e National Geographic, além de ganhar notoriedade por uma série de projetos autorais.
Um dos mais conhecidos é “Caixa de Sapato”, registro da vida pessoal e da intimidade dos integrantes, exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Outros, são “25 de Março”, sobre a rua de comércio popular paulistana, com o qual entraram para a Coleção Pirelli Masp, e “Carnaval”, uma série que foca rostos vistos de cima, em meio à multidão em festa, exposto na Photoquai de 2011, em Paris.
Com o fim da Cia de Foto, em 2013, Pio saiu em carreira solo. Nesta entrevista, ele fala sobre sua trajetória na fotografia, os projetos aos quais se dedica desde então e sobre a recente exposição "Ver do Meio", sobre a cidade de São Paulo, que aconteceu este ano, no Instituto Tomie Ohtake, e que, segundo Pio, vai estar em 2016 na Bienal de Arquitetura, na Itália.
Você trabalhou em jornais como o Valor Econômico e fez parte do coletivo Cia de Foto por dez anos, até ele terminar, em 2013. Quais os projetos e iniciativas a que tem se dedicado desde então?
Minha entrada na fotografia foi pelo fotojornalismo. Comecei no Jornal do Commercio, em Recife. Depois vim para São Paulo trabalhar na área editorial da Abril. Em seguida, fui para Editora Três e fiquei por lá até o projeto do Valor Econômico. Isso somado resulta em oito anos no mercado editorial. Daí surgiu a Cia de Foto, como forma de migrar desse mercado para um ambiente que permitisse mais pesquisas e projetos próprios. Hoje em dia desenvolvo meus projetos, estou sempre desenvolvendo novas historias. Sou editor de uma revista chamada Sueño de La Razon, que envolve editores de todos os países da América latina. Sou também editor do blog Icônica, junto com mais quatro professores/pesquisadores da fotografia. E estou desenvolvendo um roteiro de longa metragem via uma edital de cinema. Uma história que se relaciona com a fotografia.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês, tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
Acho que sempre tive uma fotografia que flertava com a pintura. Até mesmo no jornalismo que fazia no Jornal do Commercio, fotografando em filme positivo na época (Próvia 100/ FUJI). Já ali procurava uma fotografia bastante definida pela luz, pelas cores. A Cia foi parte desse processo. Nesse sentido, continuo um procedimento que se repete agora e que vem antes da Cia, de me dedicar bastante a um lado pictórico. Não tenho muito uma preocupação de criar uma identidade, porque antes e durante o coletivo, meu procedimento de pesquisa era bem parecido, e se espelhava na experiência que tinha em fotografar com filmes cromo, nos quais a latitude era bem limitada, exigindo uma exposição mais cuidadosa, e, ao mesmo tempo, com a experiência que tinha no laboratório P&B, no qual usava muito o recurso de mascara para proteger áreas e dotar a imagem de diferentes gradações de luz e sombra. Essa pesquisa continuou e continua de forma análoga no mundo digital. E na Cia seguiu esse procedimento.
Como é, de modo geral, seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou existe um eixo comum entre todos eles? Que equipamento costuma usar para fotografar?
De modo geral, uso uma Canon Mark III e lentes fixas, 35mm ou 85mm. Fotografando sempre com luz natural e tentando captar as cenas em acordo com o histograma. Não ligo muito para o resultado da imagem na hora em que capto, mas prezo por um arquivo rico em informações. Depois, no Photoshop, é que chego onde quero. Esse procedimento pode ser visto como um eixo que me segue desde do início. Claro que lá atrás não havia o arquivo digital nem usava o Photoshop, mas seguia um procedimento parecido nas revelações e ampliações de meu material. Outro ponto, é que sempre fotografo situações que seguem uma abordagem de fotojornalismo. Geralmente não projeto muito o que irei fotografar. Leio a respeito, apuro, pesquiso, mas quando me lanço ao assunto deixo a vivencia compor a fotografia que expressarei.
A Cia de Foto ficou conhecida pela atuação como coletivo. O que acha de iniciativas semelhantes que surgiram desde então? Poderia citar alguns que te chamam mais a atenção?
A Cia de Foto foi pioneira em alguns aspectos, um deles foi o da produção coletiva. Mas outros se seguiram como o de romper com mercados específicos, atuar no jornalismo, na arte e na publicidade sem preconceito e conseguir ser aceito nesse meio. Outro ponto foi recorrer as pesquisa acadêmicas e aproximar essas pesquisas de nossa produção. Acho que esse três pontos, de alguma forma, ganharam uma força específica com a Cia, e hoje em dia, várias outras iniciativas super legais seguem esse movimento. Não penso com isso que foi a Cia que inventou nem um desses aspectos. Mas penso que houve uma atividade que dinamizou algo que estava como sintoma, prestes a acontecer.
O jornalismo e a fotografia relacionada a ele vivem uma crise séria de modelo de financiamento. Passar por uma redação era, e ainda é, uma etapa importante na formação de muito fotógrafos. Mas está cada vez mais difícil viver disso. Que caminhos enxerga hoje para profissionais jovens que tem a intenção de se dedicar ao fotojornalismo e à fotografia documental? E em termos de financeiros, como se bancar?
Não teria uma formula. Acho que a geração que vem aí é que vai nos ensinar como fazer. Nós fomos a geração da falência. A solução tem que vir da próxima. E eles tem que ter estima para isso, para criarem novos caminhos. Sou bem fã do Mídia Ninja, das iniciativas como a dos Jornalista Livres, e ainda espero, com entusiasmo, outras ideias e soluções. Acho que minha geração deve se colocar muito mais na condição de aprendizado do que tentar determine caminhos. Sou muito curioso pelas alternativas que a molecada pode trazer. Mas eles precisam de ensino e de uma comunidade que liberte eles ao experimentalismo.
Você expôs recentemente com os fotógrafos Mauro Restiffe e Arnaldo Pappalardo o projeto “Ver do Meio”, que teve como curador Nelson Brissac. Como surgiu a ideia da exposição?
É uma curadoria do professor Nelson Brissac. Ele parte de uma ideia de que São Paulo é uma cidade que não se deixa ver, um aglomerado de prédios que reconfiguram a nossa capacidade de uma apreensão geográfica mais convencional. Dessa ideia, ele convidou os três fotógrafos para fotografar a cidade em três abordagens, o centro da cidade, os eixos de deslocamento e as periferias.
Como foi feita a seleção das fotografias que entrariam? A quatro mãos, como o curador Nelson Brissac? Em parceria com o Mauro Restiffe e o Arnaldo Pappalardo?
O projeto teve três grandes momentos. Um início, no primeiro semestre de 2014, quando começamos a nos encontrar e discutir a abordagem. Recebemos aulas do Nelson sobre a ideia de exposição. Depois chegamos a um consenso sobre o tempo que precisaríamos para desenvolve-la, os custo de produção, etc.. Em um segundo momento, começamos o trabalho de campo. Aqui era comum nós nos encontrarmos com as fotos recém tiradas e escutar do grupo as impressões que tínhamos, assim como entender para onde estava caminhando cada pesquisa. Em um terceiro momento, veio a hora de editar e materializar a exposição. Essa parte ocorreu nos três meses que antecederam a abertura.
Vocês já haviam trabalhado juntos antes? Em que ocasiões?
Com o Nelson sim. Tinha participado de mais de um projeto anteriormente. Faz tempo que acompanho a pesquisa dele, desde dos movimentos que ele provocava com o Arte/Cidade, e as ocupações artísticas na Zona Leste. Já o Mauro, sou bem fã do trabalho. É um fotógrafo que admiro muito, acho uma pesquisa madura, significativa, importante para a historia da linguagem aqui no Brasil, no que se relaciona com a arte. O Pappalardo foi uma grande apresentação. Lembrava dele muito mais pelo trabalho na publicidade, e sempre o vi como um grande cara. Nesse ano, essa impressão se tornou certeza e foi uma convivência que promoveu uma amizade.
É interessante notar como a visão de cada um de vocês sobre a paisagem urbana é diferente. O Pappalardo fotografou muito edifícios comerciais e residenciais, as fotos são coloridas e chamativas. Tem muito da poluição visual e da mistura de cores da cidade. As fotos do Restiffe são em P&B, feitas em filme, grão bem aparente. As tuas tem principalmente pessoas.
Aqui eu acho que tem dois aspectos legais de destacar. O primeiro é a ideia do curador de procurar nessas pessoas uma complementariedade que resultasse numa exposição rica em abordagens. Nesse sentido, essa mistura de estilos tem um tanto de aposta e sensibilidade do curador. Um Segundo aspecto é perceber o quanto o grupo foi determinando a própria pesquisa do Nelson, o quanto a intenção curatorial inicial foi reformulada no embate com essas três traduções de olhares e procedimentos artísticos.
Qual a expectativa com o projeto? A ideia é levantar algum tipo de discussão que vá além da estética da fotografia? Se sim, qual?
Minha expectativa era responder as provocações que o próprio grupo engendrava. Como eram pessoas fortes, dedicadas ao trabalho, o ambiente foi muito combatível, e pensar no processo, ou dar conta do processo já foi um desafio que exigiu muito comprometimento. O que do trabalho suscitará discussões ainda é difícil dizer, pois ainda não o vi com distanciamento. Com certeza a questão estética é uma das entradas fortes de discussão, os diferentes estilos e procedimentos. Acho também que a exposição consegue discutir a ideia curatorial com abordagens bem especificas. Acho que o Pappalardo tem uma distancia criteriosa com a cidade. De alguma forma ele planifica São Paulo, constitui uma cidade sem sombras, como formas que se acumulam sem permitir distanciamentos entre elas. O Mauro faz uma fotografia que não sabemos ao certo se ele fala de um passado ou mesmo de um futuro catastrófico. As fotos dele ne P&B granulado nos colocam em algum intermédio de tempo, no qual fica difícil de saber se a São Paulo que constitui já é ruína, ou se ele antecipa um future esmaecido pela impossibilidade que essa cidade teria de se realizar. Acho que fico no meio, e me debruço nas pessoas. E são a gente da cidade, de uma lado de sua história que não admite vencedores.
Várias das imagens suas que aparecem na exposição são de projetos anteriores, certo? Alguma foi feita especificamente para a exposição? Se sim, quais?
As fotos são feitas para o Ver do Meio. Em alguns momentos, usei fotos da pesquisa em aplicações imediatas, na medida que era solicitado. É como você estar estudando um assunto amplo e te pedirem um texto breve sobre um aspecto, ou um recorte. Foi o faz, usando um momento do que desenvolves. Tem fotos no Ver do Meio que foram usadas também no projeto que fiz com a Magnum e com o IMS.
Quem são hoje as suas principais referências na fotografia, no Brasil e lá fora? Por quê?
São os pesquisadores teóricos. Filósofos, professores. Muito mais que fotógrafos. Me emociono muito quando encontro a fotografia como campo conceitual. E sou um público na espera por gente nova, desse eu ainda serei fã.
Cuba - ruínas e mitos
Minha exposição sobre Cuba, na Escola da Cidade. Aparece lá pra conferir. Fica aberto das 9h às 20h, de segunda a sexta-feira. Aos sábados, abre das 9h às 18h.
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