Brasil Indígena - entrevista com Rodrigo Paiva
Esta entrevista está no forno há uns três anos. Na época, Rodrigo Paiva, amigo fotojornalista tocava um projeto fotográfico e um documentário sobre povos indígenas brasileiros. Tinha coberto uma edição dos Jogos dos Povos Indígenas, em 2013, e uma dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, espécie de Olimpíada dos povos indígenas, em 2015. Havia viajado e feito entrevistas sobre os conflitos entre indígenas e fazendeiros no Centro-Oeste. O material em vídeo não chegou a ficar pronto. Mas, dos jogos, saiu uma série de retratos, a que deu o nome de Brasil Indígena. Vi as imagens e achei que seria legal falar sobre elas por aqui.
Sentamos para conversar numa sexta-feira, no Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo. Pedimos arroz com polvo e algumas cervejas, no Rainha do Mercado. Antes que editasse a entrevista, fui convidado a trabalhar em tempo integral em uma redação. O tempo livre rareou e acabei deixando o blog e o papo parados até agora.
Da data da conversa para cá, Rodrigo migrou do fotojornalismo, cada vez mais mal remunerado, para a fotografia de publicidade. E o projeto de fotografar etnias indígenas, batizado de Brasil Indígena, ficou em banho-maria. Mas como as fotos continuam a me chamar a atenção, e a questão indígena ganhou ainda mais relevância no atual cenário político brasileiro, resolvi publicá-las, com a entrevista, mesmo depois de todo esse tempo. É a que segue.
Como surgiu a ideia de fazer o teu projeto Brasil Indígena?
Sempre fui apaixonado pelas histórias dos índios. Na minha infância, eu e minha mãe passávamos os domingos assistindo as incursões do Washington Novaes no Xingu. Em 2012, tive a ideia de ir para o Mato Grosso do Sul tentar fotografar o movimento de retomada (do que os índios reclamam como suas terras sagradas), o Tekoha. Fui sozinho. Um certo dia, uns amigos que sabiam do meu interesse pelos índios, me falaram da organização dos jogos indígenas, no Mato Grosso. Comecei a pensar no que fazer para as minhas fotos se destacarem. Eu sabia que as agências internacionais iam estar lá. Ia fazer foto de jogos? Por quê? Aí veio a ideia de fazer um retrato de cada time, de contar a história das etnias do Brasil. Afinal, iam estar lá 48 etnias.
A ideia foi fazer um registro etnográfico, então?
Minha referência eram aquelas gravuras antigas de índios. Desde o momento que eu cheguei lá, meu foco foi fazer retratos. E não é fácil fazer retrato deles. Porque os organizadores ficam muito tensos, não deixam. Tem toda preocupação com a imagem do índio. Eu não tinha visto, até então, quem tivesse feito isso, que tivesse esse acervo. Geralmente o cara tem de um canto do país. Do Pará ou da Amazônia. Achei que era uma ótima oportunidade de fazer.
E você voltou nos jogos de 2015. Como foi fotografar nessa segunda vez? Foi mais fácil ou mais difícil?
Foi muito mais difícil. Me pareceu que o governo federal tinha o controle absoluto do que estava acontecendo. Da outra vez, em 2013, me pareceu mais amador. As próprias filhas do Carlos Terena, que é o grande organizador dessa história, estavam fazendo assessoria junto com outras meninas. Os índios ficavam com a gente, tinha uma interação muito legal. Os mais isolados nos olhavam muito, se olhavam entre si. Foi mais interativo. Eles estavam muito melhor, parecia que estavam mais felizes. Já em 2015, parece que profissionalizaram o negócio. O governo teve a preocupação de não deixar os indígenas próximos da arena onde aconteciam os jogos. Eles se movimentavam de ônibus, a gente tinha pouco contato com eles. Sem dúvida o governo estava muito mais preocupado. Coincidência ou não, na mesma semana estava rolando a discussão sobre a PEC 215. Tinha muita polícia por lá, tropa de choque. Acho que não haverá outros jogos como os de 2013. Parecia ser mais orgânico, as pessoas interagiam. Dessa vez, não era orgânico. Mesmo porque, o evento foi aberto pela presidente Dilma com a Kátia Abreu (empresária pecuarista, então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que os índios dizem ser a principal inimiga deles.
Você expôs as fotos que já tinha do projeto lá, né? Como foi a recepção?
Eu não tive contato, cheguei no domingo. Tinha fotos de outros fotógrafos também. Eu não sei te falar. Não consegui conversar com os índios.
Quantas etnias você já tem fotografadas? O que você imagina fazer com esse material?
Tenho 17 etnias bem retratadas, de um jeito que eu gostei. Estão bem resolvidas. Eu ainda não sei o que eu quero fazer com esse material. Minha intenção é continuar a tocar, ir juntando. Seria legal expor, mostrar, se fosse pro exterior. Mostrar esse gene nosso. Porque a gente é muito índio. O interessante do índio é que cada etnia é diferente. Eles têm os traços diferentes, os cabelos diferentes, a estrutura corporal diferente. Os olhos são diferentes, a sobrancelha. São totalmente diferentes. Você vai para São Luís, é um tipo. Você vai pro Sul do país, é outro.
Você tem um material em vídeo também, né?
É, mas é da Retomada.
Pretende dar continuidade a ele também?
Não, a Retomada é diferente do Brasil Indígena. É sobre o maior conflito indígena por terras do país. Tem um dos meus personagens, um político, que diz que você pode voltar daqui a 30 anos, e tudo vai continuar na mesma, porque ninguém resolve nada. Eu tenho duas incursões grandes no Mato Grosso do Sul. É um registro histórico. No futuro, tudo isso vai se encontrar. Daqui a 30 anos, as pessoas vão olhar essas imagens e vão falar, que coisa de louco. Tenho certeza de que daqui a 30 anos, a metade das etnias que eu fotografei já vão estar diluídas nesse processo. São por volta de 362 no país, eu só tenho 17. Eu não conto que vou ganhar dinheiro com isso. Eu quero que fique como registro. Um dia esse material vai servir para estudos. Eu piro nisso.
Como e quando você começou na fotografia?
No interior (Assis - SP) não tinha essa influência de fotografia. Muito menos eu, que venho de uma família de funcionários públicos. Só tinha aquelas shotzinha, com filme. Mas meus pais assinavam a Folha de S.Paulo. Eu ficava impressionado com aquelas fotos, aqueles títulos, aquelas reportagens. Uma vez eu vi uma foto muito louca, do Jorge Araújo, lá em Brasília. Um cavalo empinado, pau quebrando, com índio. Pensei, é isso que eu quero fazer da minha vida. Tinha uns 14 anos. Aí fui fazer publicidade. Certo dia, um professor de antropologia chamado Rubens falou: vamos fazer, cada um, aqui em Assis, um documentário fotográfico. Aquele chamado me despertou. Fui nas Casas Bahia e comprei uma Zenit. Custava R$ 135. Tinha uma objetiva grande angular. Tinha uns meninos que nadavam no esgoto, em Assis. Eu fiz uma história que chamava Meninos do Esgoto. Teve repercussão na cidade, exposição e tudo. Daí não parei mais.
Fez publicidade?
Mudei para Piracicaba. Fiz jornalismo, durante dois anos, depois fui para publicidade. Mas continuei na fotografia. Em 1998, vim pra São Paulo, fazer estágio. Foi onde eu comecei a ver as primeiras referências legais de composição. Eu tinha me dado bem como diretor de arte, ganhado um prêmio na faculdade. Mas minha vida era fotografia. E eu não tinha dinheiro para isso. Aí fui pro Canadá para comprar uma câmera razoável.
E comprou que câmera?
Cheguei lá sem dinheiro, no início dos anos 2000, e comprei uma Olympus. Ai voltei pro Brasil e fui direto para a pós-graduação no Senac, em 2002. Quando eu entrei, um amigo meu disse que tinha uma vaga lá na Futura Press e que eu tinha estilo de fotojornalista. Bem depois fui trabalhar na Folha. Conheci o João Bittar e ele falou pra eu ir na Agência Estado conversar com a Mônica Maia, que me deu uma puta oportunidade. Até que o João Bittar me chamou para fazer uns trabalhos na Quem e na Revista Época. Cobri uns oito meses de Mensalão em Brasília. Acabando isso, voltei pra São Paulo, acho que foi em 2005. O João Bittar me indicou para a Folha, para o Toni Pires. O Toni me contratou como freela fixo. Fiquei até 2008 lá. Foi a grande escola, mesmo. Você recebe três pautas por dia, todo santo dia. Trabalhava 14 dias e folgava dois. Foram três anos assim. Chegou um momento em que eu não aguentava mais. Resolvi ir embora pra Austrália, dar uma respirada. Depois de oito meses trabalhando em cozinha, falei vamos embora dessa porra, voltar pro Brasil que eu preciso voltar a fotografar. Fotografia é igual a futebol. Se para de treinar, a bola bate na canela. Voltei e, de cara, tive uma oportunidade na Reuters. Mas eu não estava preparado. Fazia já quase uma ano que não fotografava. Aí voltei pra vida de freela.
Quem são as tuas principais referências em fotografia?
Eu não tenho umas referências certas assim. Sendo profissional, você tem que estudar história da fotografia, tem que parar e olhar para todos os profissionais que estão se destacando. Cada um tem uma visão diferente. E você vai pegando. Eu boto no search da Reuters e vejo todas as fotografias que estão ali. Entro na Agência Estado e vejo todas as fotografias que estão ali. Marcar uma estética sua é difícil. Você vai pegando referências de um e outro, testando, adaptando ao seu trabalho. Precisa estudar todo santo dia. Olho pra tudo. Sou xereta. Quero ver mais sobre a pessoa, se me chama a atenção. Tento usar fotojornalismo misturado com direção de arte. Eu sempre trabalho com as regras de direção de arte. Em uma foto, os elementos precisam estar distribuídos harmonicamente. Me preocupo com aspectos formais de composição. Peso e equilíbrio. O básico é o fotojornalismo. Mas eu tento agregar esse lado de direção de arte, para melhorar a estética. Vem junto essas referências. Não existe segredo. Tudo é referência. É uma somatória de repertórios. Você precisa estudar a todo momento.
Fred Frith Trio
Show do Fred Frith Trio, do guitarrista de jazz experimental Fred Frith, com a trompetista Suzana Santos Silva e a designer de luz Heike Liss. No SESC Pompeia, em São Paulo.
Wells Blog
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