Quarentena em Milão - entrevista com Rafael Jacinto
Em maio do ano passado, o Frame35 publicou entrevista com o fotógrafo Rafael Jacinto, então recém chegado à Itália. Esta semana, voltou a entrevistá-lo sobre o projeto fotográfico que vem tocando desde que começou a quarentena em Milão, onde mora.
A proibição de sair às ruas impôs uma série de limitações ao fotógrafo, que de certa forma foram incorporadas à estética do novo trabalho. Impossibilitado de ter contato direto com outras pessoas nas ruas, Jacinto procurou vizinhos através de um aplicativo e passou a marcar um horário para fotografá-los em suas janelas.
Na entrevista a seguir, o fotógrafo fala um pouco mais sobre o projeto, sobre a rotina com a família e o clima na cidade italiana durante o período de pandemia.
Como surgiu a ideia do projeto? E qual é a ideia, exatamente? Por que fotografar as pessoas nas janelas neste momento?
Eu fotografo todo dia. Há cinco anos faço um projeto chamado “A Photo a Day - Aventura de um fotógrafo” que consiste em fazer, editar e subir numa conta do Instagram uma foto por dia. Um dia fiz uma foto de minha esposa olhando a rua. Uma foto simples que, na hora de fazer upload, me fez perceber que a janela seria nossa conexão com a rua pelas próximas semanas. Quando o Conte (Giuseppe Conte, primeiro ministro da Itália) anunciou, num sábado, que a Itália inteira entraria em regime de quarentena, resolvi fazer algo.
Como são as saídas para fotografar? Você tem um tempo contado? Ou dá para chegar um pouco antes, pensar a foto, conversar à distância e clicar?
Eu encontro as pessoas através de um app chamado Next Door. Um app para conectar vizinhos. Eu então mando uma mensagem para elas e trocamos contatos. Eu marco o dia e a hora e a pessoa sai na janela. Não posso ficar andando pela rua. Algumas coisas são permitidas, como ir ao mercado do bairro, passear com o cachorro ou ir trabalhar com autorização. Então eu vejo quando tempo demoro para chegar na casa das pessoas, saio um pouco antes e dou uma olhada no local antes do horário escolhido. Faço as fotos sempre entre 18h e 18h30min, um horário que me permite enxergar dentro e fora das casas. Um horário também que, em tempos normais, as pessoas estariam indo pra casa ou pro bar. Agora estamos no horário de verão, então farei as fotos uma hora mais tarde. Com algumas pessoas eu tive mais interação. Uma me ajudou a encontrar outras pessoas, então trocamos emails e algumas telefonadas. Teve outra que ficava gritando na janela e eu fiquei morrendo de medo de chamar a atenção e aparecer a polícia perguntando o que estava acontecendo. Mas não tem interação muito maior do que a foto em si.
As pessoas retratadas te retornam para falar das fotos?
Sim, primeiro elas me mandam uma mensagem agradecendo, o que eu ainda não me acostumei. Eu que sou grato. Depois pedem as fotos. A crise aflorou um espírito de comunidade já existente. Existem muitas ações solidárias nos bairros, na cidade. Eu faço as fotos de pessoas que moram perto de mim. Estou retratando um bairro, no final das contas.
Qual a sua intenção com essas fotos? A ideia é que sejam um registro documental, artístico ou quase uma terapia em tempos de confinamento?
Eu não espero ter um motivo para fotografar. Eu vou ocupando os espaços que tenho com ideias que aparecem e se juntam às outras. Mas estou sempre em contato com outras pessoas e sempre tentando fazer os trabalhos terem algum destino. Desde que cheguei em Milão, fotografo a cidade e minha relação com ela. Acho que é mais um capítulo. Mas existem alguns planos para quando essa crise passar. Muitos fotógrafos daqui estão produzindo e já se fala de um documento maior dessa época em um futuro próximo.
O que pretende fazer com as fotos quando que a quarentena acabar?
Eu já estou feliz com a projeção que ganharam. Foram publicadas primeiro pela Folha de S.Paulo, que fez o trabalho ser visto por outros veículos brasileiros que usaram o projeto para contar como está sendo a minha vida aqui. Já falei sobre ele para a revista Trip e para a revista Glamour. E agora estou falando dele para você. Como ainda estou fotografando, cada vez tem fotos novas, o que acho interessante.
Como tem sido esse período de confinamento para você, como fotógrafo? Quer dizer, é uma profissão que, de modo geral, demanda a presença física, a conversa para fazer um retrato.
É um período difícil para qualquer pessoa que gosta de usar a cidade. Nós temos, ou tínhamos, uma rotina fora de casa. Fazemos tudo a pé ou de transporte público. Levamos e buscamos nossa filha na escola e sempre tem alguma parada no caminho em uma pracinha ou para um café. Nos finais de semana íamos sempre a museus, eventos públicos, aos parques. Fazemos piquenique, andamos em lugares que ainda não fomos. Esse confinamento faz a gente repensar tudo. Valorizamos ainda mais o espaço público coletivo, os deslocamentos a pé. Eu estou quase no limite desse projeto. Não posso mais sair como saía na semana passada. Está ficando cada vez mais restrito. Já estou pensando em alguma ideia para fotografar em casa, além do projeto de uma foto por dia.
O Brasil está vivendo agora um momento de pressão do para a derrubada da quarentena. E de minimização da crise. Como tem sido a rotina por aí?
É inacreditável, não é? Brasil tem uma grande vantagem. Está assistindo essa pandemia de longe há meses. Poderia ter preparado uma ação planejada. Mas isso aconteceu aqui também. A Itália foi o primeiro país ocidental a sofrer com o Covid-19 e os vizinhos não levaram a sério também. Espanha e França seguiram vida normal enquanto aqui já estávamos sem escolas e com museus fechados. E hoje a Espanha tem um dos cenários mais feios porque o foco de contaminação é em Madri, uma cidade super populosa. Teve uma matéria que bombou aí que diz que o prefeito de Milão se arrependeu de não ter fechado tudo logo. Os dados dessa matéria estão errados e repercutiram errados (os números eram da Lombardia. Milão nunca foi o foco da contaminação, por exemplo). Mas a gente sempre acha que não vai acontecer com a gente, não é? É um problema do ser humano.
Revisitando a fotografia - entrevista com Rafael Jacinto
A trajetória do fotógrafo paulista Rafael Jacinto se mistura, em boa medida, com a da Cia de Foto, provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileira dos anos 2000. Antes colaborou com a revista de surf Hardcore, trabalhou no jornal Notícias Populares e integrou a equipe fundadora do Valor Econômico. Mas foi a partir de 2003, ao lado de Pio Figueiroa, João Kehl e Carol Lopes, que seu trabalho ganhou maior projeção fora do meio editorial, no Brasil e no exterior.
Conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, a Cia durou até o final de 2013 e se notabilizou pela intensa pós-produção e experimentação estética. Ao longo de dez anos, foram mais de 15 projetos autorais, além de trabalhos editoriais para revistas nacionais e estrangeiras, que geraram no meio discussões intensas sobre autoria na fotografia.
Entre os trabalhos mais conhecidos do coletivo está o registro da vida pessoal de seus integrantes. “Caixa de Sapato”, foi exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Com “25 de Março”, sobre a famosa rua de comércio popular paulistana, a Cia também entrou para a Coleção Pirelli Masp.
Após o fim do coletivo, Rafael manteve a parceria com Kehl e passou a integrar como diretor a equipe da produtora Paranoid, que tem como sócio o cineasta Heitor Dhalia. Em 2018, saiu da Paranoid para se tornar sócio da Fluture, com Kehl e a produtora executiva Flavia Padrão. Em paralelo, vinha tocando projetos fotográficos (Album, America e A Photo a Day), até ser aceito em um Master de Fotografia em Milão, na Itália, para onde embarcou este ano. De lá, por e-mail, falou sobre seu interesse renovado na fotografia, processo de criação e o futuro da atividade.
Depois do fim da Cia de Foto, você foi para a direção de fotografia e de cena. Agora, em Milão, tem produzido bastante, pelo que se vê no Instagram, mas são principalmente fotos. O que levou a essas mudanças? Está voltando a se concentrar na fotografia? Por quê?
Desde que me formei, em 98, vivo da fotografia. Eu basicamente segui o dinheiro. A tecnologia juntou a fotografia a outras linguagens e eu fui acompanhando e incorporando essas novas funções a de fotógrafo. A Cia de Foto terminou há cinco anos e eu produzi muito desde então. Tenho um portfólio comercial melhor do que quando o coletivo existia. Mas os orçamentos estão cada vez menores e eu acho a publicidade cansativa. Muitas vezes prioriza-se o custo e o prazo. Há pouco mais de um ano eu comecei a procurar e encontrei esse Master em Fotografia aqui em Milão. É um Instituto Internacional, da Ásia. Eles chegaram a Milão há dois anos apenas. É o segundo ano desse Master, de dez meses. Eles também oferecem graduação e cursos de três anos nas áreas de design e moda. A bolsa é de acordo com seu desempenho, sua aplicação e portfólio. As entrevistas são individuais. Eu tenho cidadania Portuguesa, então entrei na cota dos europeus. Apliquei e fui selecionado. A cidade interessa não só a mim, mas também a minha esposa (a jornalista Michele Oliveira). É uma pausa na carreira e a tentativa de redescobrir a fotografia. A fotografia é uma linguagem complexa e me fascina muito. Olho os trabalhos da Cia hoje em dia e vejo que a gente sabia antecipar as discussões, principalmente sobre o suporte e a tecnologia. Acho que alguns trabalhos foram importantes quando fizemos, mas hoje em dia demandam um entendimento de época. Isso teve muito a ver com a tecnologia, com a evolução do equipamento a da mídia. Por estar insatisfeito com a minha produção atual, volto a fotografia e quero me satisfazer nela.
Quais os projetos aos quais tem se dedicado?
Não tenho um grande projeto, são todos exercícios ainda. Antes de sair do Brasil, fiz um trabalho sobre o bairro de Pinheiros, todo fotografado com celular, durante meu trajeto entre minha casa e meu estúdio. Ele está em fase de edição e quero fazer um livro. Quando cheguei aqui, fiz um pequeno ensaio com turistas. Eu pedia para eles fazerem uma foto minha em frente a um ponto turístico e eu fotografava ao mesmo tempo. O turista sou eu, também. Depois aproveitei a loucura das compras de fim de ano e fiquei parado num vão da Galleria Vittorio Emanuele, fotografando o mar de turistas que nem percebiam a minha presença. Fiz essas fotos em um horário específico, quando a luz do sol entrava por um vão e refletia nas janelas. Um outro, que estou desenvolvendo aqui é sobre as cores no subúrbio de Milão. Comparada com São Paulo, Milão é uma cidade pequena que está sofrendo um processo de gentrificacão muito rápido. Está sendo bem legal pensar nesse trabalho. E comecei um estudo novo esses dias. A ideia é pensar como atualizar a fotografia de rua. Mostrar o momento acontecendo. Ainda é só um estudo, mas as imagens são bem interessantes. São dois cliques, dois fotogramas. É uma tentativa de fazer fotografia de rua com algo a mais.
Como tem escolhido os temas que vai fotografar?
Tenho sempre ideias de trabalhos. Algumas voltam sempre e eu vou adaptando e vendo se encaixa na minha atual circunstância. Um fator essencial é a viabilidade da ideia. Algumas ideias que pareciam inviáveis, ou que eu não achava um jeito de fazer, agora estão se mostrando mais possíveis.
Como é seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou há coisas comuns em todos?
Ser fotógrafo é uma ocupação em tempo integral. O tempo todo estou pensando nos trabalhos que estou desenvolvendo ou em ideias que estão guardadas na minha cabeça. Às vezes, um livro, uma exposição, o trabalho de outro artista podem ativar e recuperar uma dessas ideias. Eu ando muito a pé, e enquanto ando penso muito. Normalmente é durante um desses trajetos que uma ideia ou um caminho aparecem. Sempre dá pra achar um ponto em comum entre projetos. Posso dizer que a discussão sobre o tempo sempre está presente. Mas a fotografia é sobre o tempo, então é fácil dizer isso. Dos dois trabalhos citados acima, posso falar que a relação do pedestre com a cidade é o que me guia. Tem muito a ver com uma postura que adotei há alguns anos. A de caminhar e de evitar qualquer outro meio de transporte.
Tem planos profissionais na Itália?
Não. Estou no meio do curso e quero tentar focar apenas nele. Minha esposa é jornalista e está escrevendo daqui, então o combo texto+foto pode rolar em breve. Vamos ver.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
A gente estava atuante na transição do analógico para o digital. O grupo tinha conhecimentos diversos e o avanço tecnológico permitiu que a gente encontrasse uma estética própria. A partir de 2006/2007, a Carol (Lopes) entrou no grupo. Ela não fotografava com uma câmera, mas dominava a edição das imagens. Ela incorporou o método que vínhamos usando até então e o levou para outros lugares. Acho que também encabeçamos um movimento não só estético mas de abordagem aos temas. Hoje, estou muito mais interessado no clique e na edição das imagens do que no tratamento. Quase não abro mais o photoshop em si, resolvo tudo no camera raw. Então, posso dizer que estou em busca de uma linguagem em que a forma de abordar os temas e apresentar os trabalhos são muito importantes.
Quem são suas referências atualmente, na fotografia e fora dela, que influenciam a sua forma de fotografar? Por quê?
De fotógrafos, tenho voltado aos clássicos. Estou revendo muito Robert Frank, Walker Evans, William Eggleston, Garry Winogrand, assim como Bernard Plossu, Teju Cole (textos críticos), Raymond Depardon, Claudia Andujar, Rosangela Rennó, Thomas Struth, Ed Ruscha, Rineke Dijkstra, Jean Marc Bustamante, entre muitos outros. É engraçado porque eu sabia pouco sobre a fotografia italiana. Eu achava que sabia mais, mas tendo contato aqui com autores menos conhecidos está sendo bem enriquecedor. Mas atualmente existem dois livros que eu trouxe comigo que estão me ajudando bastante: “Doutrina das Cores”, do Goethe, e “Walkscapes: o caminhar como prática estética”, de Francesco Careri. E aqui descobri um outro chamado “Le Fotografie del Silenzio”, de Gigliola Foschi. Mas quero mesmo é desenvolver um projeto que não precise de explicação. Em que a fotografia seja a única forma e que baste. Essa é a parte mais difícil. Abrir mão de texto, por exemplo. Mas o exercício tem sido exatamente esse. Fotografia é uma linguagem e eu estava destreinado nela. É como escrever ou tocar um instrumento. Exige prática e pesquisa.
A fotografia, para você, deve ter papel político? Se sim, qual?
Devemos ser políticos em tudo. Eu sempre andei de skate, e isso para mim foi sempre uma postura política. Como nos alimentamos ou lidamos com a comida é uma postura política. O modo de se locomover é político. Então porque a fotografia não seria? Um trabalho comercial não precisa ou deve ser político mas até a decisão de realizá-lo ou não é política.
Hoje, viver de fotografia parece cada vez mais difícil. Há bancos de imagem imensos que oferecem fotos de graça, ou quase de graça. Jornais e revistas, que costumavam ser escolas e meio de vida para muito fotógrafos, estão em uma crise de modelo de negócios que parece longe do fim. Como enxerga o futuro da fotografia? Para onde ela caminha?
Acho que existem várias crises rolando ao mesmo tempo. Tenho tido discussões enriquecedoras aqui. Desde o diretor de negócios da Magnum, passando pela editora da Contrasto e a curadora do MEP (Paris), todos estão tentando entender o que está acontecendo. A imagem é cada vez mais essencial para a comunicação. A fotografia nunca foi tão utilizada para comunicar uma marca ou um produto como nos dias de hoje. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo é produtor. Essa equação ainda está sem solução. Eu enxergo uma saída em conteúdos personalizados, exclusivos. Mas só vai sobreviver quem tiver ideia, pensar, sugerir. Para isso, é preciso estudar e pesquisar muito. Eu não sei o que vai ser. Um fotógrafo com experiência, que também tenha ideias e colabore com a criação há de voltar a ser valorizado. Os influenciadores digitais estão comendo uma grande parcela da grana mas eles são superficiais e estão à mercê do algoritmo. Espero que o conhecimento e a experiência voltem a ter mais valor do que o número de seguidores.
Que equipamentos costuma usar para fotografar?
Gosto muito do meu smartphone porque está sempre comigo. Alimento duas contas no instagram com ele. Uma mais pessoal e com fotos em preto e branco, outra que é um projeto de uma foto por dia, que venho realizando há mais de três anos. Aqui adotei minha Fuji X100F como a minha câmera. Carrego ela comigo e não preciso de mais nada para os projetos que desenvolvo. Ela é pequena, com uma lente única e com um arquivo incrível.
Cia solo – entrevista com Pio Figueiroa
O fotógrafo recifense Pio Figueiroa integrou o que foi provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileiro dos anos 2000. Depois de uma temporada de oito anos de fotojornalismo, com passagens pelo Jornal do Commercio, Editora Abril, Editora Três e Valor Econômico, fundou em 2003, com Rafael Jacinto, João Kehl e Carol Lopes, a Cia de Foto.
A Cia ficou conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, por uma forte pós produção das imagens e pela experimentação estética. Publicou em revistas brasileiras, como Veja, Revista da Folha e IstoÉ, e em títulos estrangeiros de peso, como Time Magazine, Newsweek e National Geographic, além de ganhar notoriedade por uma série de projetos autorais.
Um dos mais conhecidos é “Caixa de Sapato”, registro da vida pessoal e da intimidade dos integrantes, exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Outros, são “25 de Março”, sobre a rua de comércio popular paulistana, com o qual entraram para a Coleção Pirelli Masp, e “Carnaval”, uma série que foca rostos vistos de cima, em meio à multidão em festa, exposto na Photoquai de 2011, em Paris.
Com o fim da Cia de Foto, em 2013, Pio saiu em carreira solo. Nesta entrevista, ele fala sobre sua trajetória na fotografia, os projetos aos quais se dedica desde então e sobre a recente exposição "Ver do Meio", sobre a cidade de São Paulo, que aconteceu este ano, no Instituto Tomie Ohtake, e que, segundo Pio, vai estar em 2016 na Bienal de Arquitetura, na Itália.
Você trabalhou em jornais como o Valor Econômico e fez parte do coletivo Cia de Foto por dez anos, até ele terminar, em 2013. Quais os projetos e iniciativas a que tem se dedicado desde então?
Minha entrada na fotografia foi pelo fotojornalismo. Comecei no Jornal do Commercio, em Recife. Depois vim para São Paulo trabalhar na área editorial da Abril. Em seguida, fui para Editora Três e fiquei por lá até o projeto do Valor Econômico. Isso somado resulta em oito anos no mercado editorial. Daí surgiu a Cia de Foto, como forma de migrar desse mercado para um ambiente que permitisse mais pesquisas e projetos próprios. Hoje em dia desenvolvo meus projetos, estou sempre desenvolvendo novas historias. Sou editor de uma revista chamada Sueño de La Razon, que envolve editores de todos os países da América latina. Sou também editor do blog Icônica, junto com mais quatro professores/pesquisadores da fotografia. E estou desenvolvendo um roteiro de longa metragem via uma edital de cinema. Uma história que se relaciona com a fotografia.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês, tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
Acho que sempre tive uma fotografia que flertava com a pintura. Até mesmo no jornalismo que fazia no Jornal do Commercio, fotografando em filme positivo na época (Próvia 100/ FUJI). Já ali procurava uma fotografia bastante definida pela luz, pelas cores. A Cia foi parte desse processo. Nesse sentido, continuo um procedimento que se repete agora e que vem antes da Cia, de me dedicar bastante a um lado pictórico. Não tenho muito uma preocupação de criar uma identidade, porque antes e durante o coletivo, meu procedimento de pesquisa era bem parecido, e se espelhava na experiência que tinha em fotografar com filmes cromo, nos quais a latitude era bem limitada, exigindo uma exposição mais cuidadosa, e, ao mesmo tempo, com a experiência que tinha no laboratório P&B, no qual usava muito o recurso de mascara para proteger áreas e dotar a imagem de diferentes gradações de luz e sombra. Essa pesquisa continuou e continua de forma análoga no mundo digital. E na Cia seguiu esse procedimento.
Como é, de modo geral, seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou existe um eixo comum entre todos eles? Que equipamento costuma usar para fotografar?
De modo geral, uso uma Canon Mark III e lentes fixas, 35mm ou 85mm. Fotografando sempre com luz natural e tentando captar as cenas em acordo com o histograma. Não ligo muito para o resultado da imagem na hora em que capto, mas prezo por um arquivo rico em informações. Depois, no Photoshop, é que chego onde quero. Esse procedimento pode ser visto como um eixo que me segue desde do início. Claro que lá atrás não havia o arquivo digital nem usava o Photoshop, mas seguia um procedimento parecido nas revelações e ampliações de meu material. Outro ponto, é que sempre fotografo situações que seguem uma abordagem de fotojornalismo. Geralmente não projeto muito o que irei fotografar. Leio a respeito, apuro, pesquiso, mas quando me lanço ao assunto deixo a vivencia compor a fotografia que expressarei.
A Cia de Foto ficou conhecida pela atuação como coletivo. O que acha de iniciativas semelhantes que surgiram desde então? Poderia citar alguns que te chamam mais a atenção?
A Cia de Foto foi pioneira em alguns aspectos, um deles foi o da produção coletiva. Mas outros se seguiram como o de romper com mercados específicos, atuar no jornalismo, na arte e na publicidade sem preconceito e conseguir ser aceito nesse meio. Outro ponto foi recorrer as pesquisa acadêmicas e aproximar essas pesquisas de nossa produção. Acho que esse três pontos, de alguma forma, ganharam uma força específica com a Cia, e hoje em dia, várias outras iniciativas super legais seguem esse movimento. Não penso com isso que foi a Cia que inventou nem um desses aspectos. Mas penso que houve uma atividade que dinamizou algo que estava como sintoma, prestes a acontecer.
O jornalismo e a fotografia relacionada a ele vivem uma crise séria de modelo de financiamento. Passar por uma redação era, e ainda é, uma etapa importante na formação de muito fotógrafos. Mas está cada vez mais difícil viver disso. Que caminhos enxerga hoje para profissionais jovens que tem a intenção de se dedicar ao fotojornalismo e à fotografia documental? E em termos de financeiros, como se bancar?
Não teria uma formula. Acho que a geração que vem aí é que vai nos ensinar como fazer. Nós fomos a geração da falência. A solução tem que vir da próxima. E eles tem que ter estima para isso, para criarem novos caminhos. Sou bem fã do Mídia Ninja, das iniciativas como a dos Jornalista Livres, e ainda espero, com entusiasmo, outras ideias e soluções. Acho que minha geração deve se colocar muito mais na condição de aprendizado do que tentar determine caminhos. Sou muito curioso pelas alternativas que a molecada pode trazer. Mas eles precisam de ensino e de uma comunidade que liberte eles ao experimentalismo.
Você expôs recentemente com os fotógrafos Mauro Restiffe e Arnaldo Pappalardo o projeto “Ver do Meio”, que teve como curador Nelson Brissac. Como surgiu a ideia da exposição?
É uma curadoria do professor Nelson Brissac. Ele parte de uma ideia de que São Paulo é uma cidade que não se deixa ver, um aglomerado de prédios que reconfiguram a nossa capacidade de uma apreensão geográfica mais convencional. Dessa ideia, ele convidou os três fotógrafos para fotografar a cidade em três abordagens, o centro da cidade, os eixos de deslocamento e as periferias.
Como foi feita a seleção das fotografias que entrariam? A quatro mãos, como o curador Nelson Brissac? Em parceria com o Mauro Restiffe e o Arnaldo Pappalardo?
O projeto teve três grandes momentos. Um início, no primeiro semestre de 2014, quando começamos a nos encontrar e discutir a abordagem. Recebemos aulas do Nelson sobre a ideia de exposição. Depois chegamos a um consenso sobre o tempo que precisaríamos para desenvolve-la, os custo de produção, etc.. Em um segundo momento, começamos o trabalho de campo. Aqui era comum nós nos encontrarmos com as fotos recém tiradas e escutar do grupo as impressões que tínhamos, assim como entender para onde estava caminhando cada pesquisa. Em um terceiro momento, veio a hora de editar e materializar a exposição. Essa parte ocorreu nos três meses que antecederam a abertura.
Vocês já haviam trabalhado juntos antes? Em que ocasiões?
Com o Nelson sim. Tinha participado de mais de um projeto anteriormente. Faz tempo que acompanho a pesquisa dele, desde dos movimentos que ele provocava com o Arte/Cidade, e as ocupações artísticas na Zona Leste. Já o Mauro, sou bem fã do trabalho. É um fotógrafo que admiro muito, acho uma pesquisa madura, significativa, importante para a historia da linguagem aqui no Brasil, no que se relaciona com a arte. O Pappalardo foi uma grande apresentação. Lembrava dele muito mais pelo trabalho na publicidade, e sempre o vi como um grande cara. Nesse ano, essa impressão se tornou certeza e foi uma convivência que promoveu uma amizade.
É interessante notar como a visão de cada um de vocês sobre a paisagem urbana é diferente. O Pappalardo fotografou muito edifícios comerciais e residenciais, as fotos são coloridas e chamativas. Tem muito da poluição visual e da mistura de cores da cidade. As fotos do Restiffe são em P&B, feitas em filme, grão bem aparente. As tuas tem principalmente pessoas.
Aqui eu acho que tem dois aspectos legais de destacar. O primeiro é a ideia do curador de procurar nessas pessoas uma complementariedade que resultasse numa exposição rica em abordagens. Nesse sentido, essa mistura de estilos tem um tanto de aposta e sensibilidade do curador. Um Segundo aspecto é perceber o quanto o grupo foi determinando a própria pesquisa do Nelson, o quanto a intenção curatorial inicial foi reformulada no embate com essas três traduções de olhares e procedimentos artísticos.
Qual a expectativa com o projeto? A ideia é levantar algum tipo de discussão que vá além da estética da fotografia? Se sim, qual?
Minha expectativa era responder as provocações que o próprio grupo engendrava. Como eram pessoas fortes, dedicadas ao trabalho, o ambiente foi muito combatível, e pensar no processo, ou dar conta do processo já foi um desafio que exigiu muito comprometimento. O que do trabalho suscitará discussões ainda é difícil dizer, pois ainda não o vi com distanciamento. Com certeza a questão estética é uma das entradas fortes de discussão, os diferentes estilos e procedimentos. Acho também que a exposição consegue discutir a ideia curatorial com abordagens bem especificas. Acho que o Pappalardo tem uma distancia criteriosa com a cidade. De alguma forma ele planifica São Paulo, constitui uma cidade sem sombras, como formas que se acumulam sem permitir distanciamentos entre elas. O Mauro faz uma fotografia que não sabemos ao certo se ele fala de um passado ou mesmo de um futuro catastrófico. As fotos dele ne P&B granulado nos colocam em algum intermédio de tempo, no qual fica difícil de saber se a São Paulo que constitui já é ruína, ou se ele antecipa um future esmaecido pela impossibilidade que essa cidade teria de se realizar. Acho que fico no meio, e me debruço nas pessoas. E são a gente da cidade, de uma lado de sua história que não admite vencedores.
Várias das imagens suas que aparecem na exposição são de projetos anteriores, certo? Alguma foi feita especificamente para a exposição? Se sim, quais?
As fotos são feitas para o Ver do Meio. Em alguns momentos, usei fotos da pesquisa em aplicações imediatas, na medida que era solicitado. É como você estar estudando um assunto amplo e te pedirem um texto breve sobre um aspecto, ou um recorte. Foi o faz, usando um momento do que desenvolves. Tem fotos no Ver do Meio que foram usadas também no projeto que fiz com a Magnum e com o IMS.
Quem são hoje as suas principais referências na fotografia, no Brasil e lá fora? Por quê?
São os pesquisadores teóricos. Filósofos, professores. Muito mais que fotógrafos. Me emociono muito quando encontro a fotografia como campo conceitual. E sou um público na espera por gente nova, desse eu ainda serei fã.
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