Pelas ruas polonesas - entrevista com Katarzyna Kubiak
A fotógrafa polonesa Katarzyna Kubiak, de 35 anos, iniciou na fotografar aos 30 anos, idade em que muita gente já se considera velha para aprender qualquer coisa. Funcionária pública em Varsóvia, começou tirando fotos com o celular no dia a dia e em viagens, até vencer com uma delas um concurso. A qualidade do arquivo gerada pelo aparelho, porém, impediu que participasse da exposição com os vencedores e a levou a comprar uma câmera melhor.
Com o equipamento novo, passou a levar a fotografia de rua mais a sério. Fez parte de dois coletivos (Streetical Collective e un-posed) e se inscreveu em outros concursos. Venceu ou recebeu menções honrosas em quatro: International Photography Awards (2015), Moscow International Photo Awards (2016), Leica Street Photo (2016) e Human DOC Proclub Camera (2016). Teve fotos publicadas no World Street Photography Book, no Debuts (2016), na Street Photography Magazine, no Street Photography in the World Book vol. 1, na Eye Photo Magazine e na PhotoVogue, da Vogue italiana. Em paralelo, aos poucos, foi ganhando visibilidade nas redes sociais - hoje, no Instagram, tem mais de 20 mil seguidores.
Este ano, esteve no Rio de Janeiro, para o Carnaval. Apesar do receio em relação à violência na cidade, e dos alertas dados por cariocas na rua já por aqui, fotografou a festa.
Na entrevista a seguir, Katarzyna fala sobre sua trajetória, a experiência de fotografar no Brasil, a diferença de fotografar na Polônia, as dificuldades de conciliar a vida pessoal com a fotografia, a fotografia de rua e seus planos para o futuro como fotógrafa documental.
Quando você começou a seu interesse pela fotografia?
Comecei a me interessar por fotografia no final de 2014. Fotografava tudo que de alguma forma me interessava. Na época, eu tirava fotos com meu telefone celular. Por acaso, venci um concurso de fotografia, mas por causa da baixa qualidade da foto do meu celular, minha foto não pode fazer parte da exposição. Fui desclassificada e lamentei muito. Então, decidi comprar uma câmera.
O que mais atrai você na fotografia?
É difícil dizer, mas acho que é a beleza na fotografia. O tempo todo me surpreendo com algo em diferentes tipos de fotografia.
Por que você escolheu a fotografia de rua?
Eu não posso dizer que escolhi a fotografia de rua porque foi um processo natural. É apenas a forma que funciona melhor para mim.
Quais os maiores desafios na fotografia de rua? E o que você mais gosta?
Os desafios na fotografia de rua são o que eu mais gosto. Eu acho que é uma curiosidade em relação ao que você pode ver e como vai mostrar isso. O maior desafio é tirar uma foto que vai interessar outras pessoas. Produzimos tantas fotos hoje em dia que é muito difícil fazer isso.
Onde você costuma fotografar com mais frequência?
Eu normalmente tiro fotos durante minhas viagens, principalmente porque eu não tenho tempo para fazer isso todos os dias. Trabalhar e cuidar da minha filha toma a maior parte do meu dia. Recentemente, principalmente nos finais de semana, e com cada vez mais frequência, saio para tirar fotos em minha cidade natal.
Como você escolhe os temas que vai fotografar?
Eu tiro a fotos principalmente em minhas viagens. Então esses são normalmente os lugares que eu quero ver no país que estou visitando.
Você poderia descrever sua rotina quando está fotografando?
Eu acho que trato isso agora mais como uma forma de caminhar e tirar fotos. Eu nunca sigo uma rotina. Eu simplesmente ando e tiro fotos de tudo que acho interessante.
Muitas cenas em suas fotos são engraçadas. Quais são suas principais influências, em fotografia e em outras áreas que você acha que influenciam a sua forma de ver?
Ao contrário do que você notou, eu gosto mais de fotos visualmente bonitas do que das engraçadas. Acho que é por causa do meu amor pelo cinema. Acho que explica muito sobre como eu fotografo.
Poderia citar outros fotógrafos de rua de sua geração que você admira, mas que não necessariamente referências para você?
Eu constantemente descubro novos excelentes fotógrafos e não seria possível eu nomear todas as pessoas que eu admiro aqui. Eu também não sou boa em lembrar nomes, eu tenho mais facilidade de identificá-los pelas fotos que tiram.
Você integra dois coletivos de fotografia. Como isso ajuda você?
Eu não estou em nenhum coletivo no momento, mas não estou excluindo a possibilidade. Há algum tempo atrás, eu senti que fazer parte dos coletivos não me trazia nada e decidi sair. No entanto, estou sempre aberta para novas ideias e, se decidir que vale a pena investir tempo em algo, ou em minhas atividades, certamente foi fazê-lo.
Eu vi que você esteve no Brasil. Acho que foi no Carnaval. Como foi sua experiência fotografando aqui?
Sim, eu estive no Brasil este ano. Eu queria realmente ver com os meus próprios olhos como o mundialmente famoso Carnaval se parece. Eu li sobre a situação perigosa no Rio de Janeiro desde o começo, mas eu não sabia o que esperar. Há países mais e menos seguros na Europa, mas não há comparação, de forma alguma. É algo completamente diferente. Na Europa, eu não preciso me preocupar com a câmera, posso andar com ela na mão e nada vai acontecer. A primeira vez que eu saí do hotel, as pessoas na rua vieram até mim e me disseram para esconder a câmera, porque de outra forma alguém iria roubá-la. Isso dificultou muito para mim tirar fotos, porque todos estavam prestando atenção em mim. A maior parte do tempo, provavelmente, imaginando como alguém poderia ser tão estúpido de andar com uma câmera à mostra. No Brasil, definitivamente você tem que ter os olhos na nuca e ter mais cuidado do que na Europa. Felizmente, não passei por nenhuma situação desagradável e lembro do Carnaval como uma excelente experiência. Claro, depois de alguns dias carregando minha câmera na mochila, que eu levo à minha frente. Eu tirava a câmera, fazia as fotos e escondia de volta. Foi o meu jeito de fotografar no Rio.
Quão diferente foi de tirar fotos nas ruas da Polônia? Como as as pessoas normalmente reagem a fotógrafos de rua na Polônia?
Como eu escrevi, o Rio é muito perigoso. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas era amigáveis e maravilhosas, muito abertas. Isso as torna diferentes das pessoas na Polônia, que são bastante fechadas e inacessíveis. Certamente, é algo que reflete nossa cultura e história. Somos mais desconfiados. E isso também tem efeito quando se tira fotos na Polônia. Frequentemente, as pessoas reclamam, prestam atenção e perguntam porque estou tirando fotos delas.
Você está trabalhando em algum projeto atualmente?
Infelizmente, no momento não estou trabalhando em nenhum projeto, embora não me faltem ideias. Por razões pessoais, eu não tenho tido tempo para realizá-las. Em um futuro próximo, eu vou me focar em aprender coisas novas em fotografia.
Que equipamento você usa?
Eu uso uma Fuji X100F
Como você vê a sua fotografia hoje? Como você se sente em relação ao seu trabalho? O que você gostaria de explorar mais? O que você pretende deixar para trás?
Eu tenho certeza de que minha abordagem na fotografia de rua mudou. Eu não levo mais tão a sério como levava antes. Ainda me divirto muito com e sou apaixonada pela prática, mas agora vou tentar me focar em fotografia documental e, como escrevi antes, quero aprender coisas novas.
Que fotografias do seu portfólio você gosta mais?
Eu acho que realmente gosto de fotografias com multiplos planos, mas eu também presto muita atenção à estética. Eu gosto quando há várias coisas acontecendo e o enquadramento está próximo.
O que você sugeriria para quem está começando a tirar fotos?
De fato, você pode dizer que eu também estou no começo dessa jornada o tempo todo. Alguns anos de fotografia não me tornam uma especialista nessa áreas. No entanto, eu gostaria que as pessoas não prestassem tanta atenção às opiniões do outros. E, por outro lado, não tivessem ciúmes do sucesso dos outros.
Cores e caos - entrevista com Gustavo Minas
O fotógrafo e jornalista Gustavo Minas é um nome popular na fotografia de rua brasileira atual. Ao longo dos últimos doze anos, construiu uma obra que se destaca pelas cores e sombras fortes, pela temática urbana e por composições muitas vezes aparentemente caóticas. Com ela, atraiu mais de 13 mil seguidores no Flickr e quase 50 mil no Instagram.
Venceu também alguns concursos fotográficos que lhe deram projeção: o Life Framer: Street Life; o POY Latam 2017, na categoria O futuro das cidades; e o Prix Photo Web Aliança Francesa 2017, com o ensaio O parto. Foi finalista de outros, como o Conrado Wessel 2016 e o Prêmio Gávea de Fotografia 2016, e destacou-se no último Sony World Photography. Exposições, conta três individuais e uma dúzia de mostras coletivas, no Brasil e no exterior, algumas delas como membro de coletivos que integrou, como o Flanares e o SelvaSP.
Agora, está lançando o primeiro livro, direto lá fora, pela Edition Lammerhuber. Chamada Maximum Shadow Minimal Light (Máxima sombra mínima luz), a obra nasceu do contato com um editor austríaco que viu o ensaio vencedor do Pictures of the Year Latam, de Minas, em uma newsletter sobre fotografia. Em 2017, o brasileiro foi para a Áustria editar cerca de 800 fotos, feitas desde 2010, e colocar o livro de pé. A versão final, ficou com 95 imagens, é uma espécie de retrospectiva do trabalho de Minas.
O livro é um dos temas da entrevista a seguir. Nela, Minas fala ainda sobre seu início na fotografia, as principais influências, o papel do fotógrafo Carlos Moreira em sua formação, seu processo de trabalho e a relação com as pessoas retratadas na fotografia de rua.
Como e quando você começou a se interessar por fotografia? O que mais te atraia?
Sempre tive um certo interesse, desde criança. Meu pai tinha uma dessas coleções meio enciclopédicas da Abril chamada "Nações do Mundo", e eu gostava de folhear e ver as fotos. No colegial, comprei uma câmera compacta e fotografava os churrascos da turma. Daí fui fazer jornalismo e meu pai me deu uma Yashica FX-D com uma 28mm que ele tinha parada em casa. Então, eu acabava fotografando a maioria das pautas do jornal laboratório. Havia um interesse pela fotografia, mas não sabia o que queria fotografar. Em 2007, comecei a trabalhar no jornal Agora São Paulo, 12 horas por dia, finais de semana, e estava precisando fazer outra coisa da vida para desbaratinar. Resolvi fazer um curso de fotografia e descobri o Carlos Moreira. Me inscrevi, e aí as coisas começaram a mudar. No primeiro semestre ele mostrou os mestres em PB: Bresson, Kertész, Robert Frank, Lee Friedlander, etc. Quando começamos o segundo semestre, fui descobrindo os caras da cor. Principalmente Harry Gruyaert, Alex Webb, Gueorgui Pinkhassov, Saul Leiter, que me tocaram mais, pelo jeito que lidavam com a luz. No caso de boa parte do trabalho do Webb e Gruyaert, a luz era muito parecida com a nossa. A partir daí comecei a fotografar quase diariamente. Como trabalhava à tarde, a única hora possível para encontrar essa luz "boa" era no começo da manhã. Então, comecei a sair de casa com o sol nascendo e a percorrer São Paulo, que era uma cidade ainda desconhecida para mim. Tinha uma Nikon D80 na época, e usava uma 24mm (que se tornava 36mm). Mas o curso do Carlos foi muito além de noções de composição e linguagem. Me ensinou muito sobre postura em relação à fotografia, sobre a fotografia como forma de se relacionar com o mundo, e me ensinou a não esperar nada da fotografia além da satisfação pessoal.
Desde que comecei a acompanhar o teu trabalho, pelo Flickr, lembro de ter ficado impressionado com o volume de imagens que você publicava diariamente. Você fotografa todo dia? Se sim, quantas horas? Como é a sua rotina de produção?
Sim, idealmente. Se tem sol, saio de manhã, quando o sol nasce, e ando umas três horas pela cidade. À tarde, aproveito o intervalo no meu trabalho (como jornalista) e fotografo mais uma hora quando o sol está se pondo.
Muitas das tuas imagens tem cores fortes, saturadas, e contrastes marcados entre claro e escuro, com sombras duras. Outras, têm reflexos. Geralmente, a composição é complexa. Às vezes, me lembram Alex Webb, outras, Gueorgui Pinkhassov. Quem são as suas referências e inspirações hoje?
Webb e Gruyaert foram referências muito fortes no início. Com o tempo, acho que fui incorporando outras, como o Pinkhassov e o Ernst Haas também. Além de, claro, tudo que eu li, vi e ouvi na vida, de fotógrafos que conheci no Flickr e no Instagram. Esse processo nunca termina. Acho que na minha série de Cássia tem muita coisa do Win Wenders, por exemplo. Mês passado fui fazer um curso com a Rosely Nakagawa e mostrei este esboço de trabalho sobre Brasília: www.gustavominas.com/Brasilia. Foi muito engraçado, porque no final da leitura ela disse que as fotos a lembravam um escritor japonês, o Haruki Murakami, e por acaso é o cara que eu mais tenho lido nos últimos anos.
Você já foi parte de coletivos, como o Flanares e o SelvaSP. Que papel ele teve na tua formação?
A fotografia de rua é uma prática muito solitária, então é bom sentir que não estamos sozinhos nessa. Estar em contato bem próximo com outros fotógrafos, de outra geração (eu era uns dez anos mais velho que a média da galera), como rolou na época do SelvaSP, abriu minha cabeça demais e me expôs a mais jeitos de olhar a rua. Me fez me afastar um pouco do formalismo mais clássico das minhas influências. Acho que rejuvenesceu um pouco minha fotografia. E a minha vida, na época, também.
Está trabalhando atualmente em algum projeto específico e ainda inédito? Pode contar algo sobre ele?
Não exatamente. Sempre luto pra fugir da Rodoviária de Brasília, que já fotografei bastante, mas acabo voltando a ela porque o fluxo de pessoas e a luz de lá me atraem muito. Às vezes consigo escapar. Aos poucos vou colecionando umas imagens de Brasília, além da Rodoviária, e tentando montar uma série sobre a cidade, sempre buscando imagens que fujam de alguma forma da concretude da realidade, que tenham algum nível de ficção, apesar de serem acontecimentos "reais".
Você vive de fotografia? Se sim, de que tipo? De arte? Ou faz trabalhos para terceiros também?
Que nada. Trabalho como jornalista numa empresa pública de comunicação para pagar as contas. Mas faço frilas de vez em quando. Tenho dado oficinas de fotografia de rua, vendo umas fotos de vez quando. Por um lado, é ruim porque me deixa preso aos mesmos lugares, e Brasília é uma cidade bem limitante para fotografia de rua. Por outro, me deixa livre pra fotografar só pra mim 99,9% do tempo.
Como escolhe os temas ou lugares onde vai fotografar?
Não tem uma escolha deliberada. Os temas e lugares geralmente surgem a partir de caminhadas. A luz do lugar e o fluxo de pessoas geralmente me fazem querer fotografar mais algum lugar. A criação dos projetos também surge assim. Vou fotografando o mesmo lugar despretensiosamente, e depois de um tempo, às vezes rola olhar para trás e ver que tem uma sequência que faz sentido no conjunto.
Você edita suas fotos no calor do momento, logo depois de fotografar, ou as deixa descansar?
Geralmente eu as trato no mesmo dia, ou nos dias seguintes. Daí deixo elas esquecidas por cinco ou seis meses antes de publicar, para tentar ter um olhar mais desapegado. De vez em quando preciso voltar aos arquivos ainda não tratados e descubro que tinha coisa ali que eu não tinha visto antes.
Como é o teu processo de pós-produção?
Bem básico. Num primeiro momento, bato o olho rapidamente nas fotos e vou dando quatro estrelas pras que eu quero rever. Dou uma segunda olhada e escolho as que acho que vale a pena tratar. Começo com um preset e vou fazendo ajustes na exposição, recupero sombras e luzes altas, e também ajusto as cores individualmente, dependendo da luz e da temperatura de cor. E faço alguns ajustes pontuais de exposição com os pincéis também.
Você já disse em uma entrevista que uma das tuas grandes inspirações foi o Carlos Moreira. É uma escola para muita gente. O que você, em particular, aprendeu com ele? De que forma ele te ajudou a transformar a tua fotografia? Quando você fez o curso com ele?
Fiz em 2009. Como disse na primeira questão, o curso foi muito além de noções de composição, cor, luz, além da imersão na história da fotografia. Para mim, além da obra maravilhosa, o Carlos é muito inspirador pelo jeito que ele encara a fotografia: a despretensão, a consciência do nosso lugar minúsculo na história da fotografia, a ideia de que a prática deve estar muito mais ligada à satisfação pessoal, à descoberta do mundo e de si mesmo, e que os resultados fotográficos são apenas consequência do que a gente é, de como a gente vê. E uma coisa que ele sempre falava ficou marcada em mim: fotografia é ficção. Isso me deu a consciência de que eu não precisava depender de fatos interessantes para fazer fotos interessantes. Pelo contrário: o banal deveria ser a matéria-prima a ser trabalhada e transformada através do olhar, da luz, do enquadramento.
A fotografia passou por um processo de democratização, nos últimos anos. Hoje, muita gente tem acesso à boas câmaras. O número de fotos a que somos expostos diariamente é imenso e crescente. Todo mundo se acha um pouco fotógrafo. Li em uma entrevista sua uma comparação interessante. A de que muita gente sabe escrever, mas poucos são escritores. O que diferencia um fotógrafo das demais pessoas que fotografam?
Ouvi essa comparação pela primeira vez com a professora Simonetta Persichetti. Mas não acredito em dom, "olho bom" ou inspiração. No fundo, o que diferencia o fotógrafo de quem apenas fotografa é a vontade e a prática aliada ao estudo dessa linguagem. Não acho que fotógrafos tenham um dom especial, apenas são pessoas que se dedicam mais à fotografia, seja por prazer, dinheiro, vaidade, etc.
Em muitas das suas fotos, fica a impressão de que as pessoas fotografadas foram pegas de surpresa. Algumas, inclusive, parecem não gostar muito. Esse é um dos grandes receios de quem começa a fotografar na rua. Você já arrumou confusão por causa disso? Tem alguma estratégia para evitar problemas?
Algumas pequenas. Mas nunca apanhei. Então, acho que estou no lucro. A estratégia é tentar intuir e respeitar o limite dos outros, ter empatia. Mesmo que eu não converse com as pessoas antes de fotografá-las, quase sempre rola um pouco de comunicação não verbal, ainda que muito sutil. Muitas pessoas não se importam. Outras até gostam de ser notadas. Quando alguém reclama, tento explicar o que estou fazendo, digo que estou estudando fotografia e fotografando a cidade. Quando pedem, apago a foto. É importante ter a consciência de que não se está fazendo mal a ninguém, e passar essa tranquilidade às pessoas de alguma maneira, seja sorrindo ou demonstrando naturalidade no ato.
A fotografia, para você, deve ter papel político? Se sim, qual?
Não acho que ela deva ter, mas acho que ela pode ter. Mas entendo esse papel político além do simplesmente fotografar tragédias, protestos e questões sociais. Acho que há política na fotografia em um nível mais pessoal, em dedicar um tempo a observar as cidade, a vida dos outros, a tentar entender e fazer parte do seu entorno. E acho que há política em tentar extrair beleza do banal e do cotidiano, em passar isso adiante por meio de imagens. Fazer as pessoas verem, tirá-las dos seus mundos, também pode ser um ato político.
Que equipamentos você usa para fotografar? Por que os escolheu?
Desde 2014, tenho usado câmeras mirrorless. Comecei com Fuji, fui pra Sony e voltei pra Fuji. Elas são mais lentas, mas gosto das cores do sensor da Fuji e do fato de serem bem menores e mais leves pra andar na rua.
Qual o seu projeto preferido, e por quê?
Pô, não tem um preferido. Mas eu acho que o Rodoviária é o mais bem resolvido. Acho que o fato de eu fotografar o mesmo lugar quase todos os dias, por três, quatro anos, me fez desenvolver como fotógrafo. Comecei fazendo fotos bem frontais e descritivas, e com o passar dos meses fui "forçado" a buscar novos ângulos, os reflexos, novos cantos, para tentar não ficar estagnado e preso naquele espaço físico demarcado.
Você está lançando agora o seu primeiro livro. Como surgiu o projeto?
Surgiu justamente com o Rodoviária. O ensaio foi vencedor na categoria "O Futuro das Cidades" no concurso Pictures of the Year Latam, em 2017, e circulou um uma newsletter sobre fotografia. Essa newsletter chegou a um editor austríaco que gostou do trabalho, foi atrás de outras coisas minhas e entrou em contato propondo um livro. Em 2017, fui para a Áustria e trabalhamos na edição a partir de umas 800 fotos que tinha feito desde 2010. Fizemos algumas poucas mudanças desde então. A versão final tem 95 fotos.
Qual o foco do projeto? Sobre o que trata?
Desde o início, a ideia era fazer uma "retrospectiva", um apanhado geral do que eu tinha produzido até então. Não tem uma linha narrativa, nem é organizado por lugares ou ensaios. É um livro de fotos soltas.
Quem está bancando?
A editora, 100%.
Qual a sua expectativa com ele?
Os livros sempre foram meu jeito preferido de ver fotos, então só o fato de ele existir pra mim já é uma realização em si. Mas, claro, também estou muito satisfeito de estar na prateleira de outras pessoas, de conseguir me comunicar desta forma.
Revisitando a fotografia - entrevista com Rafael Jacinto
A trajetória do fotógrafo paulista Rafael Jacinto se mistura, em boa medida, com a da Cia de Foto, provavelmente o mais influente coletivo de fotografia brasileira dos anos 2000. Antes colaborou com a revista de surf Hardcore, trabalhou no jornal Notícias Populares e integrou a equipe fundadora do Valor Econômico. Mas foi a partir de 2003, ao lado de Pio Figueiroa, João Kehl e Carol Lopes, que seu trabalho ganhou maior projeção fora do meio editorial, no Brasil e no exterior.
Conhecida por assinar coletivamente seus trabalhos, a Cia durou até o final de 2013 e se notabilizou pela intensa pós-produção e experimentação estética. Ao longo de dez anos, foram mais de 15 projetos autorais, além de trabalhos editoriais para revistas nacionais e estrangeiras, que geraram no meio discussões intensas sobre autoria na fotografia.
Entre os trabalhos mais conhecidos do coletivo está o registro da vida pessoal de seus integrantes. “Caixa de Sapato”, foi exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2008) e na Photographer’s Gallery, de Londres (2009). Com “25 de Março”, sobre a famosa rua de comércio popular paulistana, a Cia também entrou para a Coleção Pirelli Masp.
Após o fim do coletivo, Rafael manteve a parceria com Kehl e passou a integrar como diretor a equipe da produtora Paranoid, que tem como sócio o cineasta Heitor Dhalia. Em 2018, saiu da Paranoid para se tornar sócio da Fluture, com Kehl e a produtora executiva Flavia Padrão. Em paralelo, vinha tocando projetos fotográficos (Album, America e A Photo a Day), até ser aceito em um Master de Fotografia em Milão, na Itália, para onde embarcou este ano. De lá, por e-mail, falou sobre seu interesse renovado na fotografia, processo de criação e o futuro da atividade.
Depois do fim da Cia de Foto, você foi para a direção de fotografia e de cena. Agora, em Milão, tem produzido bastante, pelo que se vê no Instagram, mas são principalmente fotos. O que levou a essas mudanças? Está voltando a se concentrar na fotografia? Por quê?
Desde que me formei, em 98, vivo da fotografia. Eu basicamente segui o dinheiro. A tecnologia juntou a fotografia a outras linguagens e eu fui acompanhando e incorporando essas novas funções a de fotógrafo. A Cia de Foto terminou há cinco anos e eu produzi muito desde então. Tenho um portfólio comercial melhor do que quando o coletivo existia. Mas os orçamentos estão cada vez menores e eu acho a publicidade cansativa. Muitas vezes prioriza-se o custo e o prazo. Há pouco mais de um ano eu comecei a procurar e encontrei esse Master em Fotografia aqui em Milão. É um Instituto Internacional, da Ásia. Eles chegaram a Milão há dois anos apenas. É o segundo ano desse Master, de dez meses. Eles também oferecem graduação e cursos de três anos nas áreas de design e moda. A bolsa é de acordo com seu desempenho, sua aplicação e portfólio. As entrevistas são individuais. Eu tenho cidadania Portuguesa, então entrei na cota dos europeus. Apliquei e fui selecionado. A cidade interessa não só a mim, mas também a minha esposa (a jornalista Michele Oliveira). É uma pausa na carreira e a tentativa de redescobrir a fotografia. A fotografia é uma linguagem complexa e me fascina muito. Olho os trabalhos da Cia hoje em dia e vejo que a gente sabia antecipar as discussões, principalmente sobre o suporte e a tecnologia. Acho que alguns trabalhos foram importantes quando fizemos, mas hoje em dia demandam um entendimento de época. Isso teve muito a ver com a tecnologia, com a evolução do equipamento a da mídia. Por estar insatisfeito com a minha produção atual, volto a fotografia e quero me satisfazer nela.
Quais os projetos aos quais tem se dedicado?
Não tenho um grande projeto, são todos exercícios ainda. Antes de sair do Brasil, fiz um trabalho sobre o bairro de Pinheiros, todo fotografado com celular, durante meu trajeto entre minha casa e meu estúdio. Ele está em fase de edição e quero fazer um livro. Quando cheguei aqui, fiz um pequeno ensaio com turistas. Eu pedia para eles fazerem uma foto minha em frente a um ponto turístico e eu fotografava ao mesmo tempo. O turista sou eu, também. Depois aproveitei a loucura das compras de fim de ano e fiquei parado num vão da Galleria Vittorio Emanuele, fotografando o mar de turistas que nem percebiam a minha presença. Fiz essas fotos em um horário específico, quando a luz do sol entrava por um vão e refletia nas janelas. Um outro, que estou desenvolvendo aqui é sobre as cores no subúrbio de Milão. Comparada com São Paulo, Milão é uma cidade pequena que está sofrendo um processo de gentrificacão muito rápido. Está sendo bem legal pensar nesse trabalho. E comecei um estudo novo esses dias. A ideia é pensar como atualizar a fotografia de rua. Mostrar o momento acontecendo. Ainda é só um estudo, mas as imagens são bem interessantes. São dois cliques, dois fotogramas. É uma tentativa de fazer fotografia de rua com algo a mais.
Como tem escolhido os temas que vai fotografar?
Tenho sempre ideias de trabalhos. Algumas voltam sempre e eu vou adaptando e vendo se encaixa na minha atual circunstância. Um fator essencial é a viabilidade da ideia. Algumas ideias que pareciam inviáveis, ou que eu não achava um jeito de fazer, agora estão se mostrando mais possíveis.
Como é seu processo de trabalho? Varia de projeto para projeto? Ou há coisas comuns em todos?
Ser fotógrafo é uma ocupação em tempo integral. O tempo todo estou pensando nos trabalhos que estou desenvolvendo ou em ideias que estão guardadas na minha cabeça. Às vezes, um livro, uma exposição, o trabalho de outro artista podem ativar e recuperar uma dessas ideias. Eu ando muito a pé, e enquanto ando penso muito. Normalmente é durante um desses trajetos que uma ideia ou um caminho aparecem. Sempre dá pra achar um ponto em comum entre projetos. Posso dizer que a discussão sobre o tempo sempre está presente. Mas a fotografia é sobre o tempo, então é fácil dizer isso. Dos dois trabalhos citados acima, posso falar que a relação do pedestre com a cidade é o que me guia. Tem muito a ver com uma postura que adotei há alguns anos. A de caminhar e de evitar qualquer outro meio de transporte.
Tem planos profissionais na Itália?
Não. Estou no meio do curso e quero tentar focar apenas nele. Minha esposa é jornalista e está escrevendo daqui, então o combo texto+foto pode rolar em breve. Vamos ver.
Na Cia de Foto, o trabalho de vocês tinha uma estética muito marcante, mas determinada de forma coletiva. Você tem hoje uma preocupação em buscar uma linguagem mais própria, de criar uma nova identidade visual? Se sim, de que forma tem buscado fazer isso?
A gente estava atuante na transição do analógico para o digital. O grupo tinha conhecimentos diversos e o avanço tecnológico permitiu que a gente encontrasse uma estética própria. A partir de 2006/2007, a Carol (Lopes) entrou no grupo. Ela não fotografava com uma câmera, mas dominava a edição das imagens. Ela incorporou o método que vínhamos usando até então e o levou para outros lugares. Acho que também encabeçamos um movimento não só estético mas de abordagem aos temas. Hoje, estou muito mais interessado no clique e na edição das imagens do que no tratamento. Quase não abro mais o photoshop em si, resolvo tudo no camera raw. Então, posso dizer que estou em busca de uma linguagem em que a forma de abordar os temas e apresentar os trabalhos são muito importantes.
Quem são suas referências atualmente, na fotografia e fora dela, que influenciam a sua forma de fotografar? Por quê?
De fotógrafos, tenho voltado aos clássicos. Estou revendo muito Robert Frank, Walker Evans, William Eggleston, Garry Winogrand, assim como Bernard Plossu, Teju Cole (textos críticos), Raymond Depardon, Claudia Andujar, Rosangela Rennó, Thomas Struth, Ed Ruscha, Rineke Dijkstra, Jean Marc Bustamante, entre muitos outros. É engraçado porque eu sabia pouco sobre a fotografia italiana. Eu achava que sabia mais, mas tendo contato aqui com autores menos conhecidos está sendo bem enriquecedor. Mas atualmente existem dois livros que eu trouxe comigo que estão me ajudando bastante: “Doutrina das Cores”, do Goethe, e “Walkscapes: o caminhar como prática estética”, de Francesco Careri. E aqui descobri um outro chamado “Le Fotografie del Silenzio”, de Gigliola Foschi. Mas quero mesmo é desenvolver um projeto que não precise de explicação. Em que a fotografia seja a única forma e que baste. Essa é a parte mais difícil. Abrir mão de texto, por exemplo. Mas o exercício tem sido exatamente esse. Fotografia é uma linguagem e eu estava destreinado nela. É como escrever ou tocar um instrumento. Exige prática e pesquisa.
A fotografia, para você, deve ter papel político? Se sim, qual?
Devemos ser políticos em tudo. Eu sempre andei de skate, e isso para mim foi sempre uma postura política. Como nos alimentamos ou lidamos com a comida é uma postura política. O modo de se locomover é político. Então porque a fotografia não seria? Um trabalho comercial não precisa ou deve ser político mas até a decisão de realizá-lo ou não é política.
Hoje, viver de fotografia parece cada vez mais difícil. Há bancos de imagem imensos que oferecem fotos de graça, ou quase de graça. Jornais e revistas, que costumavam ser escolas e meio de vida para muito fotógrafos, estão em uma crise de modelo de negócios que parece longe do fim. Como enxerga o futuro da fotografia? Para onde ela caminha?
Acho que existem várias crises rolando ao mesmo tempo. Tenho tido discussões enriquecedoras aqui. Desde o diretor de negócios da Magnum, passando pela editora da Contrasto e a curadora do MEP (Paris), todos estão tentando entender o que está acontecendo. A imagem é cada vez mais essencial para a comunicação. A fotografia nunca foi tão utilizada para comunicar uma marca ou um produto como nos dias de hoje. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo é produtor. Essa equação ainda está sem solução. Eu enxergo uma saída em conteúdos personalizados, exclusivos. Mas só vai sobreviver quem tiver ideia, pensar, sugerir. Para isso, é preciso estudar e pesquisar muito. Eu não sei o que vai ser. Um fotógrafo com experiência, que também tenha ideias e colabore com a criação há de voltar a ser valorizado. Os influenciadores digitais estão comendo uma grande parcela da grana mas eles são superficiais e estão à mercê do algoritmo. Espero que o conhecimento e a experiência voltem a ter mais valor do que o número de seguidores.
Que equipamentos costuma usar para fotografar?
Gosto muito do meu smartphone porque está sempre comigo. Alimento duas contas no instagram com ele. Uma mais pessoal e com fotos em preto e branco, outra que é um projeto de uma foto por dia, que venho realizando há mais de três anos. Aqui adotei minha Fuji X100F como a minha câmera. Carrego ela comigo e não preciso de mais nada para os projetos que desenvolvo. Ela é pequena, com uma lente única e com um arquivo incrível.
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